quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O PAI DE JESUS E NOSSO PAI

A Parábola dos Lavradores Maus está presente em Mateus, Marcos e Lucas. Embora os relatos dos três evangelistas sejam diferentes, sua mensagem é única: uma vinha é arrendada; o dono envia seus servos e estes são maltratados; o dono envia seu filho; este é assassinado; a vinha é dada a outros. Nos três Evangelhos, ela se encontra no mesmo contexto, a saber, na última semana de Jesus em Jerusalém. Nessa última semana, os conflitos com os líderes religiosos de Israel se intensificam e culminam na prisão e morte de Jesus. De todas as parábolas que ele contou, essa é a única que possui um conteúdo explicitamente cristológico. Nela, enquanto conta a sua própria história, Jesus nos revela três atributos do seu Pai e nosso Pai.

Paciência

Certo homem planta uma vinha, a arrenda e se ausenta. É possível que Jesus tenha em mente a Canção da Vinha de Isaías 5:1-7. Nessa canção, Deus planta uma vinha e espera que ela dê uvas boas. Mas, contrariando todas as suas expectativas, ela só dá uvas azedas. De acordo com o profeta Isaías, essa vinha é o povo de Deus. As uvas boas que Deus espera são justiça e retidão. As uvas azedas que o povo dá são violência e sofrimento. Ao que parece, entre a Canção da Vinha e a Parábola dos Lavradores Maus há dois elementos comuns e dois novos. Os elementos comuns são Deus como o proprietário da vinha e esta como o povo de Deus. Os elementos novos são os arrendatários, que correspondem aos líderes de Israel, e o filho amado, que corresponde a Jesus.
Na época da colheita, o proprietário envia o primeiro servo para receber parte do fruto. Os arrendatários o espancam e o mandam embora sem nada. O proprietário envia o segundo servo. Os arrendatários o espancam, o humilham e o mandam embora sem nada. O proprietário envia o terceiro servo. Os arrendatários o ferem e o expulsam da vinha. Este tratamento violento dos arrendatários em relação aos três servos do proprietário é semelhante ao tratamento violento de Jerusalém em relação aos profetas e aos enviados de Deus. Apesar de tudo, o proprietário continua paciente. Com isso, Jesus deixa claro que o nosso Pai é muito paciente. Esta paciência é evidenciada na sua persistência em relação a nós.

Amor

A parábola segue e o proprietário da vinha diz a si mesmo: “Que farei? Mandarei meu filho amado; quem sabe o respeitarão”. Aqui, a expressão “filho amado” merece destaque. No Evangelho de Lucas, essa expressão aparece três vezes: no batismo de Jesus, na sua transfiguração e aqui. Logo, a expressão “filho amado” parece ser uma clara referência a Jesus, o enviado do Pai ao mundo. Vale ressaltar que este envio encontra-se no centro da parábola. Porém, objetivando tomar posse da herança do filho, os arrendatários lançam-no fora da vinha e matam-no. Nesta descrição estão implícitos dois importantes aspectos relacionados à pessoa de Jesus. O primeiro é a encarnação. O Filho é enviado pelo Pai ao mundo. O segundo é a expiação. O Filho será morto pelos pecados da humanidade. Com isso, Jesus também deixa claro que o nosso Pai é muito amoroso. Este amor é evidenciado na sua misericórdia e na sua graça para conosco.

Zelo

A parábola termina com uma pergunta e com uma resposta. A pergunta é: o que lhes fará então o dono da vinha? No passado e no presente, ele tem agido com paciência e com amor. A resposta é: virá, matará aqueles lavradores e dará a vinha a outros. No futuro, ele agirá com juízo contra esses lavradores. Ao que parece, porque os líderes de Israel não correspondem à expectativa de Deus em relação a eles, a liderança do povo de Deus será retirada deles e dada a outros líderes. Nisso consiste o juízo. Esses outros líderes são aqueles que se submetem à autoridade de Jesus e dão frutos ao seu Pai. Em reação, o povo diz: “Que isso nunca aconteça!”. Olhando fixamente para eles, Jesus lança mão do Salmo 118:22 para aplicar a mensagem da parábola. Ele afirma: “Então, qual é o significado do que está escrito? ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’. Todo o que cair sobre esta pedra será despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó”.
Por um lado, partindo dessa aplicação, fica evidente que a atitude em relação a Jesus no presente determinará a situação dos líderes religiosos no futuro. Ou seja, uma vez que estes o rejeitam, sofrerão o juízo. Por outro lado, também fica claro que o povo deve se submeter a Jesus e dar frutos ao seu Pai. Aqui está o princípio espiritual da parábola! A atitude que o Pai espera do seu povo é a submissão ao seu Filho. O texto termina com esses líderes religiosos – mestres da lei e chefes dos sacerdotes – vestindo a carapuça. Eles percebem que Jesus está falando contra eles e, por isso, procuram encontrar um meio de prendê-lo. Todavia, ainda não podem fazer isso porque temem ao povo. Quando puderem, estarão apenas confirmando as palavras dessa parábola. Com isso, Jesus ainda deixa claro que o nosso Pai é muito zeloso. Este zelo é evidenciado pela liderança espiritual à qual ele delega o nosso cuidado.

Por fim, uma pergunta: por que é importante conhecer os atributos do nosso Pai? Porque a nossa concepção sobre ele determinará a maneira como nos relacionaremos com ele. O nosso Pai é paciente, amoroso e zeloso. Que assim possamos concebê-lo e que assim nos relacionemos com ele!

Luiz Felipe Xavier.

sábado, 17 de novembro de 2018

TRANSFORMANDO INDIFERENÇA EM COMPAIXÃO

Viajando da Galiléia à Judéia, Jesus ensina muitas coisas. Dentre elas, ensina que só há dois modos possíveis de vida: o viver baseado no amor ao Dinheiro (Mamom – um deus fake) ou o viver baseado no amor a Deus. O primeiro modo é marcado por ansiedade, por ganância e, como veremos, por indiferença. O segundo modo é marcado por fé, por generosidade e, como também veremos, por compaixão. A nós, resta a pergunta: Como temos vivido, amando a Deus ou ao Dinheiro? Os discípulos de Jesus são aqueles que vivem baseados no amor a Deus, transformando indiferença em compaixão. Para tal, eles precisam desenvolver três percepções.

A percepção do necessitado

A parábola começa com a descrição dos seus personagens principais: o rico e Lázaro. O rico se veste de púrpura e de linho fino, e vive no luxo todos os dias. Ele é coberto por vestes caríssimas e tem abundância de comida diariamente. O mendigo Lázaro é coberto de chagas e anseia comer o cai da mesa do rico. Ele é coberto por feridas e tem escassez de comida. Três detalhes chamam a atenção na descrição dos personagens. Primeiro, há um portão que separa o rico e Lázaro. Sobre esse texto, José Antonio Pagola comenta: “O olhar penetrante de Jesus está desmascarando a realidade. As classes mais poderosas e os estratos mais miseráveis parecem pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por uma barreira invisível: essa porta que o rico nunca atravessa para aproximar-se de Lázaro.”. Segundo, Lázaro é nomeado, mas o rico não. Em todas as parábolas de Jesus, o único personagem nomeado é Lázaro. O nome “Lázaro” significa “aquele a quem Deus ajuda”. Na parábola, vemos que o significado do nome corresponde à situação vivida pelo personagem. Terceiro, os cães se importam com Lázaro, porém, o rico não. Levando em consideração o contexto da época, Kenneth Bailey sugere que esses cães são os cães de guarda da casa do rico. Eles se alimentam do que cai da mesa do seu dono, Lázaro não. Mais do que isso, eles se importam com Lázaro, seu dono não. Aqui, o que mais nos interessa é que Jesus denuncia a indiferença do rico em relação a Lázaro, o necessitado que diariamente é colocado à sua porta e ele não vê. Logo, como discípulos de Jesus, somos desafiados a perceber o necessitado. Uma vez que vivemos numa espécie de “bolha”, os pobres podem ser para nós invisíveis.

A percepção da morte

A parábola segue e chega o dia em que tanto o rico quanto Lázaro morrem. O mendigo Lázaro morre e é levado pelos anjos para junto de Abraão. O “seio de Abraão” é interpretado como o lugar pós-morte dos justos. Ou seja, estar junto de Abraão é estar em um lugar de bem-aventurança a espera da vindicação eterna. O texto não explica porque Lázaro vai para o “seio de Abraão”; ao que parece, é porque ele confia em Deus e na sua ajuda (uma possível referência ao seu nome). O rico também morre, é sepultado e acha-se no Hades. O Hades é interpretado como o lugar pós-morte dos injustos. Isto é, estar no Hades é estar em um lugar de tormento a espera do juízo final. O texto também não explica porque o rico vai para o Hades; ao que parece, é porque ele confia em si mesmo e nas suas riquezas, e não se importa com o necessitado (uma possível referência à sua ostentação e à sua indiferença). Aqui, o que mais nos interessa é que, depois da morte inevitável, a barreira invisível que separava o rico e Lázaro torna-se um abismo intransponível e definitivo. Assim, como discípulos de Jesus, somos desafiados perceber a morte. Não faz sentido vivermos acumulando e ostentando porque a morte é uma realidade inevitável. Além disso, a vida de acumulação e ostentação é autocentrada (centrada em nós mesmos), ao passo que vida que Jesus nos propõe é altercentrada (centrada no próximo). Quem são os necessitados que estão próximos a nós e como podemos ajudá-los efetivamente?

A percepção da Palavra

A parábola se encerra com um diálogo entre o rico e Abraão. Esse diálogo começa com o rico usando a expressão que é própria dos mendigos: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim (...)’ – nos lembramos da expressão de Bartimeu, o cego mendigo. O rico deseja que Abraão mande Lázaro aliviar parte do seu sofrimento. Em resposta ao rico, Abraão anuncia uma inversão: Durante a vida, o rico recebeu coisas boas e Lázaro recebeu coisas más; agora, Lázaro está sendo consolado e o rico está em sofrimento. Pior do que isso, como já dito, há entre eles um abismo intransponível e definitivo. Em resposta a Abraão, o rico expressa um novo desejo: Ele quer que Abraão mande Lázaro avisar seus irmãos sobre a sua situação para que eles se arrependam e tenham um destino diferente do seu. Notem: Mesmo em sofrimento, a fala do rico tem um tom arrogante e autocentrado. Em resposta ao rico, Abraão é incisivo: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. Tanto Moisés quanto os profetas são claríssimos em relação à compaixão que o povo de Deus deve ter com os necessitados. Por exemplo: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês. (...)” (Lv. 19:9-10). ““O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo. Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? (...)”.” (Is. 58:6-7). Em resposta a Abraão, o rico insiste que se alguém ressuscitasse dos mortos e fosse até eles, eles se arrependeriam. Por fim, em resposta ao rico, Abraão reforça: ‘Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos’. Aqui, o que mais nos interessa é que ouvir a Palavra é sinônimo de obedecer a Palavra. Assim sendo, como discípulos de Jesus, somos desafiados a perceber a Palavra. Essa Palavra que é claríssima: Sejam compassivos com os necessitados. Todavia, a nossa tendência é levantar objeções que justifiquem a nossa desobediência. Em assim fazendo, resta-nos o arrependimento, o discernimento, a sabedoria e a ação.

Que Deus, por sua graça, nos encha de compaixão para com os necessitados!

Luiz Felipe Xavier.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

CHOCADO

Esta é a palavra que traduz o meu sentimento neste momento.

A quantidade de votos que o Bolsonaro recebeu é impensável e inimaginável.

Até pouquíssimo tempo atrás, quem pensaria e imaginaria que alguém como ele poderia ser votado por tanta gente?

...

Ao longo do primeiro turno das eleições, conversei com muitas pessoas.

Muitas destas conversas foram com eleitores do Bolsonaro.

Por incrível que pareça, não conheço uma pessoa sequer que votou nele por ele mesmo e por suas propostas.

NENHUMA!

A razão é óbvia!

Ele é um ser humano repugnante e não tem a menor capacidade propositiva, exceto para o que mau.

Então, por que tantas pessoas votaram e, possivelmente, votarão no Bolsonaro?

Seria por um enlouquecimento geral?

Quem sabe por um entorpecimento coletivo?

Todas as pessoas com as quais conversei votaram no Bolsonaro por DUAS RAZÕES.


A primeira, e a mais forte, é o ANTI-PETISMO.

Antes que você me pergunte, já te respondo: não, no primeiro turno, não votei no Haddad.

Não sou petista.

Mas também não sou anti-petista.

Isso é possível!

Você pode acreditar!

Consigo discernir as contradições e os equívocos do PT.

Talvez, o que me diferencie de um eleitor anti-petista do Bolsonaro é que consigo reconhecer os acertos e as transformações promovidos pelos governos petistas.

Considerando que a corrupção no Brasil é sistêmica e abrangente, honestamente, penso que o PT no poder mais acertou do que se equivocou.

Embora você possa discordar de mim, e te respeito, a história e os números comprovam esta minha consideração.

Tenho para mim, que O ANTI-PETISMO TRANSFORMOU-SE NO MAIOR ÍDOLO DA CULTURA POLÍTICA DO NOSSO PAÍS.

Um ídolo muito sútil, às avessas.

No altar do anti-petismo, sacrifica-se a razão e o bom senso.

Sacrifica-se a história e a memória.

Para nós, cristãos, sacrifica-se a consciência e os valores do Evangelho de Jesus Cristo de Nazaré, especialmente o amor.

Se este ídolo não for profanado nos próximos dias, possivelmente, o que nos esperará serão tempos terríveis.

Dias de injustiça, de violência e de tristeza.

Dias de moralismo, de misoginia, de racismo, de xenofobia, de autoritarismo e de muitas outras mazelas.


A segunda razão é o DISCURSO DA MORAL E DOS BONS COSTUMES.

Por que discurso?

Porque de moral e de bons costumes, que são excelentes, o Bolsonaro não tem absolutamente NADA.

Ele admira ditadura, homenageia torturador, encoraja assassinatos, rebaixa mulheres, deseduca crianças, injuria negros, despreza indígenas e ofende homossexuais, entre outras coisas mais.

Diante disso, alguns dos seus pouquíssimos discursos com os quais qualquer pessoa poderia concordar soam como uma grande HIPOCRISIA.

O Bolsonaro é um ser que DESTILA ÓDIO E BLASFEMA CONTRA O SANTO NOME DE DEUS.

Certamente, o deus que ele declara estar acima de todos não é o Deus da Bíblia.

Isso sem falar que ele representa a perda da soberania nacional, dos direitos sociais, etc..

...

Que Deus, em tempo, nos dê ocasião de ARREPENDIMENTO!

Que o Brasil, de modo geral, e a igreja de modo específico, se arrependam!

Se por misericórdia e graça, não formos governados pelo Bolsonaro, que dê também ao PT ocasião de arrependimento!

Que o PT se arrependa da corrupção que praticou, dos apoios indevidos que deu, de algumas pautas que defendeu e, principalmente, das oportunidades que perdeu!

Que assim seja!

Luiz Felipe Xavier.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

TRANSFORMANDO GANÂNCIA EM GENEROSIDADE

Jesus é um mestre que conta muitas parábolas. Em Lucas 12:13-21, ele conta a Parábola do Rico Insensato. Nessa parábola, Jesus nos ensina que precisamos ficar de sobreaviso contra todo tipo de ganância, pois a nossa vida não consiste na abundância dos nossos bens. Logo, fica evidente que Deus deseja que desenvolvamos uma relação saudável com os bens materiais. Para tal, precisamos considerar três advertências.

A ganância é uma enfermidade espiritual

Jesus está cercado por uma multidão. No meio dessa multidão, alguém diz: “Mestre, dize a meu irmão que divida a herança comigo”. Espera-se de um mestre tanto o conhecimento da lei quanto os pareceres legais. E Jesus responde: “Homem, quem me designou juiz ou árbitro [melhor seria “partidor”] entre vocês?”. Semelhantemente, espera-se do juiz uma sentença e do partidor a execução dessa sentença. Assim, voltando-se para os demais presentes, Jesus declara: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens”. Este é o princípio espiritual que será ilustrado pela Parábola do Rico Insensato. Todos sabemos que a ganância é o desejo ávido e insaciável de ter sempre mais. Assim sendo, a advertência de Jesus é exatamente contra esse desejo. Isso porque a ganância é uma enfermidade espiritual terrível. Naquele contexto, a expressão “Tomem cuidado!” era utilizada para os cuidados médicos. Por exemplo: “Tomem cuidado com os leprosos!”. Aqui surge uma importante pergunta: por que é necessário afastar-se ou proteger-se da ganância? A resposta de Jesus é muito clara: porque a vida que realmente importa não consiste na quantidade de bens que se acumula.
Uma vez que estamos em uma zona de epidemia de ganância, precisamos tomar muito cuidado. A mensagem do nosso entorno é: trabalhe mais, ganhe mais, acumule mais, consuma mais e finalmente você será reconhecido como alguém bem sucedido. O problema é que se vivermos nesta pegada, jamais nos realizaremos e jamais nos pacificaremos. Isso porque de duas uma: ou estaremos inquietos para adquirir coisas novas ou estaremos enjoados das coisas que já adquirimos. Mais cedo ou mais tarde, precisaremos decidir a quem daremos razão: à mensagem do nosso entorno, que é ilusão e morte, ou à mensagem de Jesus, que é realidade e vida.

A acumulação para si mesmo é o sinal dessa enfermidade

Tendo anunciado o princípio espiritual, agora Jesus o ilustra. Para tal, ele lança mão da Parábola do Rico Insensato. Ele diz: “A terra de certo homem rico produziu muito. Ele pensou consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde armazenar minha colheita’. “Então disse: ‘Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens. E direi a mim mesmo: Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos anos. Descanse, coma, beba e alegre-se’. “Contudo, Deus lhe disse: ‘Insensato! Esta mesma noite a sua vida será exigida. Então, quem ficará com o que você preparou?’”. Consideremos a breve estória que a parábola descreve. A terra produz por si mesma. O dono dessa terra é um homem rico. Ele já tem e ainda terá mais do que o suficiente para viver. A perspectiva de ter ainda mais lhe traz um problema: o que fazer com o excedente? As duas alternativas são: acumular ou partilhar. O homem rico faz opção de acumular. Então, a acumulação para si mesmo é o sinal da enfermidade. Ele quer proteger e desfrutar os seus bens, quer segurança e bem estar. Mas Deus declara que a opção de acumular é uma expressão de loucura. É loucura porque o homem rico não tem domínio sobre a própria vida. Embora em nossas traduções não seja evidente, no texto original, Lucas brinca com as palavras de Jesus. Sobre isso, Kenneth Bailey comenta: “(...) aqui este homem rico, que acha que a sua euphoreo (abundância de bens) produzirá euphron (a vida boa), na realidade está aphron (sem mente, espírito e emoções). A sua fórmula para a boa vida é estupidez crassa.”.
Quando acumulamos riquezas, estamos em busca de segurança e de bem estar. Porém, Jesus nos chama de loucos. É loucura confiarmos mais em nossos bens materiais do que em nosso Deus. É loucura pensarmos que, porque temos muitos recursos financeiros, podemos controlar o nosso futuro. É como nos alerta o Eclesiastes: “Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente; quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito com os seus rendimentos. Isso também não faz sentido.” (Ec. 5:10).

A partilha com o próximo é o tratamento dessa enfermidade

Depois de anunciar e ilustrar o princípio espiritual, Jesus conclui com as seguintes palavras: “Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus”. Aqui, ele aprofunda o princípio espiritual. Guardar para si riquezas já sabemos o que é. Agora, o que é ser rico para com Deus? Jesus não explica. Só descobrimos o que é ser rico para com Deus quando discernimos o contraste presente no texto. Ou seja, ser rico para com Deus é o oposto de acumular para si riquezas. Portanto, ser rico para com Deus é partilhar o que se tem com o seu próximo. A partilha com o próximo é o tratamento da enfermidade. Paradoxalmente, quem partilha é rico.
Ouvindo atentamente essas palavras de Jesus, descobrimos que a ansiedade e a ganância são dois lados da mesma moeda. Por ser alguém que deseja controlar o futuro, o ansioso dá lugar à ganância e acumula para si riquezas. Além disso, descobrimos que a fé e a generosidade também são dois lados de outra moeda. Por ser alguém que descansa no cuidado amoroso de Deus, o crente dá lugar à generosidade e partilha o que tem com o seu próximo. Por fim, precisamos responder: estamos guardando riquezas ou sendo ricos para com Deus?

Que Deus nos ajude a ser cada vez mais ricos para com ele!

Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

MUITO PERDÃO E MUITO AMOR

No Evangelho de Lucas, Jesus conta quatro parábolas enquanto está na Galiléia. Dessas, a única tipicamente lucana é a Parábola dos Dois Devedores (Lc. 7:36-50). Nessa parábola, Jesus nos ensina que aquele que é muito perdoado muito ama. Ele nos ensina também que o nosso amor a Deus é proporcional à nossa consciência do perdão que recebemos dele. Logo, observemos três efeitos desta experiência com o perdão de Deus.

Quem experimentou o perdão de Deus se humilha diante de Deus

Jesus é convidado para jantar na casa de um fariseu. Num dia de banquete, a casa fica aberta e os convidados ocupam a sala, onde há uma mesa longa e baixa. Ali, eles se reclinam sobre o cotovelo e mantêm os pés afastados. Geralmente, os servos e os curiosos ficam atrás do dono da casa e dos seus convidados. Enquanto o jantar acontece, uma mulher ‘pecadora’, provavelmente uma prostituta, fica sabendo que Jesus está na casa do fariseu e vai até lá. Ela traz um perfume e se coloca atrás de Jesus, no lugar dos servos e dos curiosos. Chorando, a mulher molha os pés dele com suas lágrimas, em uma atitude é de total humilhação. Como não tem uma toalha, ela solta seus cabelos e com eles enxuga os pés de Jesus. Soltar os cabelos em público é um ato vergonhoso e sedutor. Além disso, a mulher beija os pés dele, em uma expressão de honra, gratidão e submissão. Como se não bastasse, ela unge os pés de Jesus com um perfume caro que, possivelmente, usava em seus programas. De agora em diante, ela não precisará mais desse perfume. Escandalizado com o que vê, o fariseu diz a si mesmo: “Se este homem fosse profeta, saberia quem nele está tocando e que tipo de mulher ela é: uma pecadora”. Se a atitude da mulher expressa humildade e gratidão, a atitude do fariseu expressa orgulho e juízo. Com isso, aprendemos que a primeira evidência de que experimentamos o perdão de Deus é a nossa humildade diante dele e a cessação do juízo em relação ao próximo.

Quem experimentou o perdão de Deus ama a Deus

É exatamente neste momento da narrativa que Jesus conta a Parábola dos Dois Devedores a Simão: “Dois homens deviam a certo credor. Um lhe devia quinhentos denários [salário de pouco mais de um ano de trabalho] e o outro, cinquenta [salário de cerca de dois meses de trabalho]. Nenhum dos dois tinha com que lhe pagar, por isso perdoou a dívida a ambos. Qual deles o amará mais?”. Simão responde: “Suponho que aquele a quem foi perdoada a dívida maior”. Ouvindo a resposta de Simão, Jesus afirma: “Você julgou bem”. Assim, o princípio espiritual dessa parábola é claro: o nosso amor a Deus é proporcional à nossa consciência do perdão que recebemos dele. O fariseu Simão, por considerar que foi pouco perdoado, ama pouco. Já a mulher pecadora, por considerar que foi muito perdoada, ama muito. Além disso, da parábola infere-se que todos nós somos devedores a Deus. Alguns têm a consciência de que devem mais e outros a consciência de que devem menos. O problema é que nenhum de nós pode pagar o que deve a Deus. Mas, todos nós podemos receber o perdão da parte dele. Este é o Evangelho! Por sua infinita misericórdia, o Deus Santo perdoa livremente os pecadores culpados. Agora, a pergunta é: como respondemos a esse perdão? Com amor. Amor a Deus, em obediência, e amor ao próximo, em serviço. Com isso, aprendemos também que a segunda evidência de que experimentamos o perdão de Deus é o nosso amor a ele, expresso no amor ao próximo.

Quem experimentou o perdão de Deus desfruta da paz de Deus

Tendo contado a Parábola dos Dois Devedores, Jesus vira-se para a mulher e pergunta a Simão: “Vê esta mulher?”. Jesus compara as atitudes de Simão com as atitudes da mulher. Ele o faz para demonstrar quem foi mais perdoado por Deus e quem ama mais a Deus. Esta comparação baseia-se nos costumes relacionados à hospitalidade. Simão deveria ter dado água a Jesus para lavar os pés e não o deu. Em contrapartida, a mulher molhou os pés de Jesus com suas lágrimas e os enxugou com seus cabelos. Simão deveria ter saudado a Jesus com um beijo na face e não o saudou. Em contrapartida, a mulher não parou de beijar os pés de Jesus. Simão deveria ter ungido a cabeça de Jesus com óleo e não a ungiu. Em contrapartida, a mulher derramou perfume nos pés de Jesus. Ou seja, a mulher fez tudo o que Simão deveria ter feito e não fez. Assim sendo, Jesus declara: “os muitos pecados dela lhe foram perdoados; pois ela amou muito. Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama”. Aqui, a melhor tradução seria: “os muitos pecados dela lhe foram perdoados; portanto ela amou muito”. Isso significa que o amor é consequência do perdão, não a sua causa. Por fim, Jesus faz duas afirmações libertadoras à mulher. A primeira afirmação é: “Seus pecados estão perdoados”. Quando ele diz isso, os outros convidados começam a perguntar: “Quem é este que até perdoa pecados?”. Jesus é um profeta que conhece o coração de Simão e que anuncia o perdão de Deus à mulher. A segunda afirmação é: “Sua fé a salvou; vá em paz”. Jesus deixa claro que a salvação é pela graça, recebida mediante a fé somente. Como resultado, aquele que foi salvo desfruta da paz de Deus. Com isso, ainda aprendemos que a terceira evidência de que experimentamos o perdão de Deus é o nosso desfrutar da sua paz.

Que Deus, por sua graça, nos dê a consciência de que fomos muito perdoados para que muito amemos!

Luiz Felipe Xavier.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Zé da esperança

““Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”.” [Provérbios‬ ‭31:8-9‬ ‭NVI‬‬]

Depois de muito ouvir falar, os meus olhos viram o que Deus tem feito na Fazenda Nova Esperança, um assentamento de pessoas deslocadas por causa da construção da Barragem de Irapé, no norte das Minas Gerais.

Ali, conheci o Sr. José Francisco, o Zé.

Ele é acolhedor. Recebeu-nos com alegria em sua modesta casa.

Ele é crente! Muito crente! Faz transparecer a sabedoria de Deus pelo que fala.

Ele é politizado. Conhece as dificuldades que um sistema marcado pela injustiça impõe aos mais vulneráveis.

Ele é lutador. Arregaça as mangas e batalha pela dignidade dos mais simples.

Ele é mordomo. Cuida com zelo da criação de Deus.

Ele é grato. Cita pelo nome as pessoas que o ajudaram na vida.

Ele é altruísta. Usa muito mais o “nosso” do que o “meu”.

Ele é puro. Tem a capacidade de ver bondade nos outros.

Ele é pastor. Cuida espiritualmente de homens e mulheres da comunidade.

Ele é discípulo. Ama concretamente como Jesus amou.

Ele é o Zé, o Zé da esperança.

Luiz Felipe Xavier.

P.S.: Na Fazenda Nova Esperança, a Redê (Igreja Batista da Redenção) tem praticado advocacy, defesa de direitos. Que experiência maravilhosa!

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Gratidão


10 de julho...

Hoje de manhã, fui informado de que não serei mais professor do curso de Teologia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix.

Este desfecho já estava prenunciado, mas a forma como a notícia chegou foi uma surpresa.

Busquei confirmações e as obtive. Confirmações e mais surpresas.

Enfim, chegou o comunicado oficial e o pedido para ir à casa assinar uma carta e levar uma carteira.

Tudo absolutamente novo para mim.

Em pouco tempo, passou um longo filme na minha cabeça...

Em sua cena principal, a voz de Deus dirigida à minha consciência: “Eu te coloquei e só eu posso te tirar.”.

Por muitos anos, estas palavras pacificaram a minha alma; hoje, ainda mais.

No caminho até à Rua da Bahia, 2020, orei...

Esta foi uma oração de muitos agradecimentos e de poucos pedidos.

Comecei agradecendo pelos exatos 10 anos de Izabela.

Agradeci por todas as experiências vividas, tanto as boas quanto as ruins.

Agradeci por estar saindo de lá e ainda seguir na Faculdade Batista e na Redê.

Pedi pelos meus dois amigos, Gilmar e Ebenezer, os últimos professores da época da FATE-BH.

Quem diria que sairíamos juntos?

Neste momento, me dei conta de que somente hoje esta faculdade onde me formei e ensinei estava chegando ao fim.

Agradeci pelo querido casal Sanches, Regina e Sidney, que me abriram as portas no fim de 2005.

Agradeci por cada aluno que tivemos.

Imaginei onde e como eles poderiam estar...

A grande maioria, servindo a Deus com seus dons e em seus contextos.

Alguns poucos, infelizmente, distantes do Senhor.

Neste momento, pedi perdão.

Perdão pelos ensinos equivocados aos quais nossos alunos foram expostos.

Perdão pelo que os meus colegas ensinaram errado e, principalmente, pelo que eu mesmo ensinei errado, embora com a melhor das intenções.

O determinismo é um exemplo do que ensinei errado durante algum tempo.

Perdoado, continuei agradecendo...

Agradeci pelo Edésio e pelo Ferrarezi.

Eles não foram chefes; começaram como coordenadores e se tornaram amigos.

Sou muito grato a Deus por estes amados amigos metodistas.

Assim como o casal Sanches, eles estarão para sempre no meu coração.

Na pessoa da Gislene, agradeci a Deus por cada colega.

Eles foram expressões da bondade de Deus em relação a mim.

A esta altura, já quase chegando, agradeci a Deus pelo privilégio de ter contribuído com a formação de tantos obreiros para o Reino de Deus.

Que Deus consolide esta belíssima construção!

Por fim, agradeci pelo sustento de Deus através do Izabela.

O pão nosso chegou à nossa mesa por meio desta dispensa.

E agora?

Agora, estou me sentindo esquisito.

É, esquisito.

Estou convicto de que a ficha ainda não caiu.

Só cairá em agosto, quando as aulas recomeçarem sem mim.

Sentirei muita falta.

Muita, mesmo!

Agora, é vida que segue.

Deus abençoe o Ferrarezi, o único professor que ficou, e cada aluno que caminha para a conclusão do curso.

Guardarei na memória a última aula, numa terça feira fria, quando, mesmo sem saber o que aconteceria, me despedi dos meus alunos.

Guardarei no coração a banca de TCC da Claudinha, meu último ato como professor do Izabela.

Guardarei no coração a despedida calorosa e chorosa dos meus colegas.

De 15 de julho de 2008 a 10 de julho de 2018.

Deus é bom!

Luiz Felipe Xavier.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

O caminho do Reino: uma introdução às parábolas

Uma parábola é uma estória contada com elementos da vida cotidiana para ilustrar um princípio espiritual. Em Marcos 4:33-34 está escrito: “Com muitas parábolas semelhantes Jesus lhes anunciava a palavra, tanto quanto podiam receber. Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola. Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo.”. De acordo com Klyne Snodgrass, as parábolas constituem cerca de 35% dos ensinos de Jesus. Logo, para interpretá-las é necessário considerar tanto o seu ambiente vivencial quanto o seu contexto literário, buscando sempre o princípio espiritual contido em cada uma delas.
Podemos dizer que, de modo geral, o conteúdo das parábolas de Jesus é o Reino de Deus. Elas aprofundam três importantes aspectos: a natureza do Reino – o Reino de Deus é o governo de Deus sobre tudo e sobre todos; a vida no Reino – no Reino de Deus a vida é marcada pela dinâmica da misericórdia; e a consumação do Reino – o Reino de Deus se consumará com a segunda vinda de Cristo, quando haverá julgamento da humanidade, e justiça plena sobre os novos céus e a nova terra.
Seguindo a estrutura dos próprios Evangelhos Sinópticos, as parábolas são contadas na Galiléia, na viagem até Jerusalém e em Jerusalém. Sob esta perspectiva, em Marcos, 50% das parábolas estão na Galiléia e 50% em Jerusalém. Em Mateus, 54,5% estão na Galiléia, 4,5% na viagem e 41% em Jerusalém. Em Lucas, 13,7% estão na Galiléia, 79,5% na viagem e 6,8% em Jerusalém. Fato é que, a maneira como Marcos, Lucas e Mateus organizam as parábolas em seus Evangelhos tem como propósito apresentar-nos quem é o discípulo de Jesus, ou seja, quem é aquele que segue pelo caminho do Reino de Deus. Assim, observemos três diferentes atitudes desse discípulo.
Primeira atitude: Para Marcos, o discípulo é aquele escuta a Palavra. Um exemplo disso é a “Parábola dos Tipos de Solo” ou “Parábola do Semeador”, em Marcos 4:3-9. A palavra que introduz essa parábola é: “Ouçam!”. As palavras que concluem essa parábola são: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!”. Essa parábola descreve três incidentes de semeaduras malsucedidas e um incidente de semeadura exitosa. Na primeira semeadura malsucedida, a semente cai à beira do caminho. Seu desafio é o da centralidade da Palavra no coração do discípulo. Na segunda semeadura malsucedida, a semente cai sobre pedras. Seu desafio é o da profundidade da Palavra no coração do discípulo. Na terceira semeadura malsucedida, a semente cai entre espinhos. Seu desafio é o da frutificação da Palavra no coração do discípulo. Na única semeadura exitosa, a semente cai em boa terra, germina, cresce e dá boa colheita. O princípio espiritual que essa parábola ilustra é o seguinte: quem escuta-obedece a Palavra de Jesus colhe os frutos dessa Palavra na vida. Assim sendo, para Marcos, o discípulo é aquele que escuta a Palavra. Essa escuta da Palavra é sinônima da nossa disposição à obediência.
Segunda atitude: Para Lucas, o discípulo é aquele que se auto-humilha. Um exemplo disso é a “Parábola do Fariseu e do Publicano”, em Lucas 18:9-14. No verso 9, Jesus anuncia o público alvo dessa parábola: alguns que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os outros. Vale ressaltar que o anúncio do público alvo é uma característica das parábolas de Lucas. Essa parábola contrasta dois personagens: o fariseu e o publicano.   O primeiro, o fariseu, se exalta, apresentando a Deus seus méritos. Ele confia em sua justiça própria e despreza os outros. O segundo, o publicano, se humilha, batendo no próprio peito. Ele é desprezado pelos outros e confia única e exclusivamente na misericórdia de Deus. O princípio espiritual que essa parábola ilustra é o seguinte: aquele que se exalta será humilhado e aquele se humilha será exaltado. Consequentemente, para Lucas, o discípulo é aquele que se auto-humilha. Essa auto-humilhação é condição para experimentarmos e para manifestarmos a misericórdia.
Terceira atitude: Para Mateus, o discípulo é aquele que pratica a justiça. Um exemplo disso é a “Parábola do Juízo das Nações”, em Mateus 25:31-46. Essa parábola é escatológica. Ela aponta para o fim da era presente, quando Jesus voltará em glória. Ele voltará e julgará todas as nações e toda a humanidade. Nesse julgamento, ele reunirá as nações e separará dentre elas as ovelhas e os bodes. As ovelhas ficarão do lado direito e os bodes do lado esquerdo. O lado direito é o lado da mão direita do Senhor, a mão da sua força, do seu poder e da sua salvação. As ovelhas são justas e benditas, e receberão o Reino como herança. Elas são benditas porque servem a Deus servindo as pessoas em suas necessidades. Ovelhas são sensíveis. Os bodes são injustos e malditos, e receberão o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos. Eles são malditos porque não servem a Deus servindo as pessoas em suas necessidades. Bodes são insensíveis. O princípio espiritual que essa parábola ilustra é o seguinte: os que servem a Jesus servindo as pessoas receberão o Reino como herança. Então, para Mateus, o discípulo é aquele que pratica a justiça. Essa prática da justiça é resultado do amor de Deus derramado em nossos corações.
Que Deus, por sua graça, nos ajude a segui-lo com integridade!

Luiz Felipe Xavier.

As próximas publicações serão sobre as parábolas de Jesus.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Evitando as contendas

Desde o período que antecedeu as últimas eleições presidenciais, a polarização política no Brasil se acirra cada dia mais. De um lado pessoas de esquerda e do outro lado pessoas de direita. Como, em certa medida, a igreja reflete a sociedade na qual ela está inserida, de um lado temos irmãos de esquerda e do outro lado temos irmãos de direita. Diante deste cenário, algumas perguntas pastorais: Como cuidar de pessoas que estão em polos tão antagônicos no espectro político? Como ensiná-las que acima de suas ideologias, sejam elas quais forem, deve estar o Reino de Deus e a sua justiça? Como ajudá-las a se amarem ao invés de se odiarem? E mais: Como obedecer a ordem do apóstolo Paulo que, escrevendo aos Efésios, roga: “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” (4:3)?
Na tentativa de responder essas perguntas, consideremos as palavras do mesmo Paulo, desta vez, escrevendo aos coríntios. Embora as razões das contendas naquela igreja sejam diferentes das razões das contendas nas nossas igrejas, os princípios ensinados pelo apóstolo são relevantes para hoje. Neste sentido, em 1 Coríntios, há três palavras que são muito importantes. A primeira é hairesis. Essa palavra pode ser traduzida por “escolha pessoal” diante de uma diversidade de opiniões e objetivos. A segunda é eris. Essa palavra pode ser traduzida por “contenda”, “disputa” e “discussão”. A terceira é shisma. Literalmente, essa palavra pode ser traduzida por “rasgo” e, metaforicamente, por “divisão” e “dissensão”. Fenomenologicamente, o que acontece é o seguinte: uma escolha pessoal (hairesis) pode gerar uma contenda (eris) e provocar uma divisão (shisma). Para evitar as contendas é necessário discernir a mentalidade mundana que está por trás delas. Tomando como referência 1 Coríntios 3, essa mentalidade mundana se expressa de três maneiras.
A primeira maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é a criancice (1-4). Paulo começa dizendo que não pode falar aos irmãos como a espirituais, como a pessoas que têm o Espírito Santo, mas como a carnais, como a pessoas que não tem o Espírito Santo. Eles têm o Espírito Santo, porém, agem como se não tivessem. Na verdade, os irmãos são crianças em Cristo. Ao invés de alimento sólido, só podem receber leite. Os irmãos são carnais, são como crianças, porque, de acordo com o contexto, eles não dão ouvidos ao Espírito Santo. O Espírito Santo sonda as coisas profundas de Deus, conhece os pensamentos de Deus e procede de Deus; ele ensina as palavras de Deus, interpreta as verdades espirituais e ajuda a discernir todas as coisas (cf. 1 Co. 2:10b-16a). Logo, só quem dá ouvidos ao Espírito Santo tem a mente de Cristo (cf. 2:16b). Todavia, como a carnalidade ou a criancice dos irmãos se manifesta? Através da rivalidade (zelos) e da contenda (eris). Eles defendem suas escolhas pessoais com tanto ardor que provocam brigas. Os de Paulo querem convencer os de Apolo e os de Apolo querem convencer os de Paulo. O resultado são as contendas. Paulo deixa claro que isso é mundano e carnal; é uma criancice espiritual.
Como podemos superar a criancice hoje? Há duas medidas que precisamos tomar. A primeira é dar ouvidos ao Espírito Santo. Para tal, precisamos parar, nos aquietar, silenciar e ouvir a Palavra revelada. A segunda é parar de tentar convencer os outros das nossas escolhas pessoais. Para tal, precisamos considerar a liberdade de consciência e, se possível, praticar um diálogo entre ouvintes.
A segunda maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é o partidarismo (5-17). Como já visto, o partidarismo na igreja de Corinto se dá entre os de Paulo e os de Apolo. Atacando esse partidarismo, o apóstolo pergunta: Quem é Apolo? Quem é Paulo? Ele mesmo responde: Apenas servos. Apolo e Paulo são servos do Senhor, exercendo seus dons na igreja. Para deixar isso bem claro, o apóstolo lança mão de duas comparações. A primeira comparação é oriunda da agricultura. Paulo planta, Apolo rega, contudo, Deus faz crescer. Deus é infinitamente mais importante do que Paulo e Apolo. Entretanto, porque eles realizam bem o seu trabalho, serão recompensados por Deus. A segunda comparação é oriunda da arquitetura. Paulo lança o alicerce, Apolo constrói sobre esse alicerce, no entanto, o edifício-santuário é de Deus. Fica claro que todos os construtores devem realizar muito bem o seu trabalho. Isso implica em manter o alicerce – que é Jesus Cristo – e em escolher bem os materiais que serão utilizados na construção. No Dia do Senhor, a obra de cada construtor será provada pelo fogo. Assim sendo, a igreja de Corinto é o santuário de Deus onde habita o Espírito Santo. Como esse santuário de Deus é sagrado, quem o destruir será destruído por Deus.
Como podemos superar o partidarismo hoje? Há também duas medidas que precisamos tomar. A primeira é reconhecer que as pessoas são relativas. Para tal, precisamos substituir apreciações ideais por apreciações reais. A segunda é constatar que Deus trabalha no mundo com pessoas relativas. Para tal, precisamos saber que os colaboradores de Deus serão recompensados e responsabilizados, e que os destruidores do trabalho de Deus serão destruídos.
A terceira e última maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é a loucura (18-23). Paulo conclui retomando o contraste entre a sabedoria deste mundo, que é loucura, e a sabedoria de Deus, que é verdadeira sabedoria. Em relação a isso, os irmãos não devem se enganar. A sabedoria deste mundo, que tanto seduz os coríntios, é loucura aos olhos de Deus. Isso porque Deus é mais sábio do que todos os homens sábios e os pensamentos desses homens sábios são inúteis. Então, ao invés de se gloriar em homens, os irmãos devem se gloriar em Deus – o foco deve estar sempre em Deus. Quando isso acontece, é possível desfrutar de tudo o que é bom como graça de Deus e descobrir que há mais riqueza no todo do que nas partes.
Por fim, como podemos superar a loucura hoje? Há ainda duas medidas que precisamos tomar. A primeira é manter o nosso foco sempre em Deus. Para tal, precisamos considerar a grandeza de Deus e a nossa pequenez. Como resultado, todas as demais coisas ao nosso redor ficarão do seu real tamanho. A segunda é desfrutar da riqueza do todo. Para tal, precisamos estar convencidos de que nossa perspectiva sobre a realidade é limitada e de que não temos toda a verdade em nós mesmos. Como resultado, descobriremos que há mais riqueza no todo do que nas partes.
Que Deus, por sua graça, nos ajude a evitar contendas!

Luiz Felipe Xavier.

P.S.: Todos nós podemos ter opiniões pessoais. Todos nós podemos expressar nossas opiniões pessoais. O que nós não podemos fazer é entrar em contendas com os nossos irmãos. Caso isso aconteça, a divisão entre nós será um risco real e iminente.