terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Considerando as palavras de Deus

Deuteronômio 32 apresenta-nos um cântico de Moisés em forma de rib. Rib é um termo hebraico cujo significado é “litígio” ou “ação judicial”. Segundo J. A. Thompson, um rib é dividido em cinco partes: introdução – apelo ao acusado para dar ouvidos ao que está sendo anunciado (v. 1-4); interrogatório – perguntas do queixoso (ou do seu representante) nas quais está implícita a acusação (v. 5-6); retrospecto – declaração dos benefícios passados concedidos ao vassalo rebelde por seu senhor e da ingratidão daquele para com este (v. 7-14); acusação – referência à futilidade de outras alianças em face da rebelião (v. 15-18); sentença – declaração de culpa e aviso do juízo ou advertência ao arrependimento (v. 19-25). Aqui deparamo-nos com um problema: a estrutura do rib não cobre todo o capítulo. Os versos 26 a 43 ficam de fora. Logo, a solução do autor é a ampliação do rib, pela introdução do tema da esperança: a certeza do livramento de Israel (v. 26-38); a palavra do próprio Deus prometendo livramento (v. 39-42); o apelo a Israel para adorar a Deus (v. 32:43). Assim, o problema está resolvido.
A primeira parte do cântico de Moisés desafia-nos a considerar a Palavra de Deus. O verso 1 diz: “Escutem ó céus, e eu falarei; ouça ó terra, as palavras da minha boca.”. Antes de entrar na terra prometida, o povo de Israel deve ouvir a voz de Deus, as palavras da sua boca. A palavra traduzida por “ouça” é shama. Shama é “ouvir”, “escutar”, “obedecer”. Essa palavra é tão importante que se encontra em Deuteronômio 6:4, verso mais conhecido e citado pelo povo de Israel: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor.”. Para demonstrar a importância de ouvir este ensino, Moisés lança mão de uma metáfora: a da chuva. No verso 2, ele afirma: “Goteje a minha doutrina como a chuva, destile a minha palavra como o orvalho, como chuvisco sobre a relva e como gotas de água sobre a erva.”. Quatro palavras diferentes são utilizadas para descrever a ação da voz de Deus. Em sendo escutada, ouvida, essa voz produz vida. Assim sendo, todos nós somos desafiados a considerar as palavras de Deus.
Consideremos a Palavra objetiva de Deus, sua voz na Bíblia. A Bíblia é a principal fonte da espiritualidade. A espiritualidade considera a pessoa de Deus e sua relação com a criação, a partir da revelação. Deus é Deus. Nós somos homens. Deus é Criador, Transcendente e Eterno. Nós somos criaturas, imanentes e históricos (espaço-temporais). Se Deus é o que é e nós somos o que somos, o relacionamento com Deus só é possível porque ele se revelou a nós. Deus se revelou na criação, na história e, principalmente, em Jesus. Jesus é o clímax da revelação de Deus. Tudo que Deus queria dizer de si mesmo, ele disse em Jesus. Ou seja, Jesus é a Palavra de Deus que se fez carne e habitou entre nós. O que conhecemos sobre Jesus está na Bíblia, o registro escrito da revelação.
A Bíblia é inspirada. Inspiração é uma capacitação sobrenatural do Espírito Santo sobre pessoas divinamente escolhidas, de modo que seus registros da revelação tornam-se fidedignos e autoritativos. É a inspiração que garante a fidedignidade e a autoridade da Bíblia. A Bíblia é a principal fonte da espiritualidade e Jesus é a chave hermenêutica da Bíblia. Isto é, sem a Bíblia e sem Jesus não há espiritualidade. Para discernir a revelação de Deus na Bíblia, precisamos ser iluminados pelo Espírito Santo. Iluminação é uma capacitação sobrenatural do Espírito Santo sobre pessoas divinamente escolhidas, garantindo-lhes o discernimento da revelação registrada. É a iluminação que possibilita o discernimento da revelação de Deus. O Espírito Santo que inspirou o registro da revelação é o mesmo que ilumina o discernimento desse registro. Discernir a revelação é conhecer a Jesus. Conhecer a Jesus é reconhecer o amor de Deus. Reconhecer o amor de Deus implica em amar a Deus e amar ao próximo. O amor a Deus é expresso em obediência. O amor ao próximo é expresso em serviço.
Consideremos também a palavra subjetiva de Deus, sua voz no nosso coração. É importante destacar que a palavra subjetiva sempre deve estar sujeita à Palavra objetiva. Dallas Willard, recorrendo aos grandes mestres da espiritualidade cristã, ensina-nos algo muito importante: para que tenhamos certeza quanto à voz de Deus no nosso coração são necessárias as Escrituras e as circunstâncias. Ou seja, tudo que intuirmos como impressões espirituais precisa ser aferido pelas Escrituras. Isso porque Deus fará com que as Escrituras corroborem com a direção que ele está nos dando. Essas impressões espirituais também precisam ser avaliadas levando em consideração as circunstâncias que nos cercam. Isso porque Deus fará com que as circunstâncias confluam com a direção que ele está nos dando. Por fim, um detalhe precisa ser observado: só ouvimos a voz de Deus quando nos aquietamos e nos silenciamos. Talvez seja por isso que Eugene Peterson declare: “O silêncio é essencial à oração”. Orar é conversar com Deus. Nesta conversa, precisamos falar menos e ouvir mais.
Que a Palavra de Deus seja como uma chuva na terra muitas vezes seca do nosso coração! Que ela produza vida abundante em cada um de nós!

Luiz Felipe Xavier