quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O CUIDADO DOS POBRES NO ANTIGO TESTAMENTO

O tema desta primeira reflexão é o cuidado dos pobres, também chamados “necessitados”, “vulneráveis”, “marginalizados”, “excluídos”, etc.. Uma leitura atenta das Escrituras Sagradas deixa claro que Deus deseja que sejamos seus parceiros no cuidado dos pobres. No Antigo Testamento, este desejo pode ser observado nos três períodos da história do povo de Israel.

Antigo Israel

O período denominado “antigo Israel” vai das origens à monarquia (reis). Deus cria tudo, especialmente o ser humano: homem e mulher. A imagem e semelhança confere-lhes dignidade (Gn. 1:26-27) e o “mandato cultural” confere-lhes responsabilidade (Gn. 1:28). Na sequencia narrativa encontram-se a queda, o dilúvio, a torre e Abraão – o patriarca.
O tempo dos patriarcas é marcado pelo seminomadismo e a economia é agropastoril. Nesse tempo não há pobres. A primeira experiência de pobreza do povo de Israel se dá com a escravidão no Egito. Aqui há uma importante descoberta: Deus ouve os pobres. É o que está escrito em Êxodo 2:23-25: “Muito tempo depois, morreu o rei do Egito. Os israelitas gemiam e clamavam debaixo da escravidão; e o seu clamor subiu até Deus. Ouviu Deus o lamento deles e lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaque e Jacó. Deus olhou para os israelitas e viu a situação deles.” (Êx. 2:23-25).
O tempo depois do Êxodo é marcado pelo sedentarismo e a economia é agrícola. A posse da terra será a base para as desigualdades posteriores. É nesse tempo que surgem efetivamente os pobres no povo de Israel. Logo, são necessárias leis sociais que garantam os seus direitos. Há, basicamente, quatro tipos de leis que relativizam a posse de propriedade, principal causa desta pobreza: leis contra juros; leis sobre dias e anos de descanso (Sábado, Ano Sabático e Ano do Jubileu); leis acerca de taxas, dízimos e ofertas; e outras leis referentes à justiça para os pobres. Dentre estas se destacam: mandamento que trata do sustento do pobre – Lv. 19:9-10: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as extremidades da sua lavoura nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.”; mandamento que trata do cuidado do estrangeiro – Ex. 23:9: “Não oprima o estrangeiro. Vocês sabem o que é ser estrangeiro, pois foram estrangeiros no Egito.”; mandamento que trata da subsistência e da vida do pobre – Dt. 24:6: “Não tomem as duas pedras de moinho, nem mesmo apenas a pedra de cima, como garantia de uma dívida, pois isso seria tomar como garantia o meio de subsistência do devedor.”; e mandamento que trata da imparcialidade nos tribunais – Ex. 23:6: “Não perverta o direito dos pobres em seus processos.”.

Monarquia

O período denominado “monarquia” vai da centralização do poder (reis) ao desterro (cativeiro babilônico). Nesse tempo, a economia passa a ser predominantemente urbana. Forma-se um exército nacional, emergem numerosas profissões (ref. à indústria, à construção e ao comércio), estabelece-se uma burocracia administrativa, aparece a classe dirigente, aumentam os gastos com o luxo da corte e com o harém dos reis, formam-se os latifúndios, oprimem-se os trabalhadores, e cobram-se pesados tributos sobre os povos dominados e sobre o próprio povo de Israel.
Em meio a estes graves problemas econômico-sociais surge o profetismo. A mensagem dos profetas é caracterizada pela denúncia do pecado do povo e pelo anúncio do juízo ou do livramento de Deus. No fundo, ela é um chamado à conversão. Uma das principais denúncias dos profetas tem relação direta com a extorsão – Ez. 22:29: “O povo da terra pratica extorsão e comete roubos; oprime os pobres e os necessitados e maltrata os estrangeiros, negando-lhes justiça.”; com o roubo – Mq. 2:1-2: “Ai daqueles que planejam maldade, dos que tramam o mal em suas camas! Quando alvorece, eles o executam, porque isso eles podem fazer. Cobiçam terrenos e se apoderam deles; cobiçam casas e as tomam. Fazem violência ao homem e à sua família; a ele e aos seus herdeiros.”; e com a opressão – Am. 5:10-13: “(...)  vocês odeiam aquele que defende a justiça no tribunal e detestam aquele que fala a verdade. Vocês oprimem o pobre e o forçam a entregar o trigo. Por isso, embora vocês tenham construído mansões de pedra, nelas não morarão; embora tenham plantado vinhas verdejantes, não beberão do seu vinho. Pois eu sei quantas são as suas transgressões e quão grandes são os seus pecados. Vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais. Por isso o prudente se cala em tais situações, pois é tempo de desgraças.”.
Assim, dentre outras coisas, a conversão é evidenciada pela busca de justiça para o pobre. Exemplos claros disso estão em Isaías e em Jeremias: “Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva.”; “O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?” (Is. 1:16-17 e 58:6-7); “Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada, sem pagar-lhes o devido salário. Ele diz: ‘Construirei para mim um grande palácio, com aposentos espaçosos’. Faz amplas janelas, reveste o palácio de cedro e pinta-o de vermelho. “Você acha que acumular cedro faz de você um rei? O seu pai não teve comida e bebida? Ele fez o que era justo e certo, e tudo ia bem com ele. Ele defendeu a causa do pobre e do necessitado, e, assim, tudo corria bem. Não é isso que significa conhecer-me?”, declara o Senhor . “Mas você não vê nem pensa noutra coisa além de lucro desonesto, derramar sangue inocente, opressão e extorsão”.” (Jr. 22:13-17).
Além da busca de justiça para o pobre, a conversão também é evidenciada pela busca do bem estar da cidade. Jeremias 29:7 ordena isso: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.”.

Judaísmo

O período denominado “judaísmo” vai do desterro (cativeiro babilônico) até os dias de Jesus. Neste tempo, para aqueles que são exilados e retornam, a economia continua sendo predominantemente, não exclusivamente, urbana (ref. à indústria e ao comércio). Não há mais reis em Israel, o povo se encontra sob algum império (persa, grego ou romano) e sob pesadas cargas tributárias, os judeus ricos – latifundiários – exploram os judeus pobres – trabalhadores. Neemias 5:1-5 é um quadro deste tempo: “Ora, o povo, homens e mulheres, começou a reclamar muito de seus irmãos judeus. Alguns diziam: “Nós, nossos filhos e nossas filhas somos numerosos; precisamos de trigo para comer e continuar vivos”. Outros diziam: “Tivemos que penhorar nossas terras, nossas vinhas e nossas casas para conseguir trigo para matar a fome”. E havia ainda outros que diziam: “Tivemos que tomar dinheiro emprestado para pagar o imposto cobrado sobre as nossas terras e as nossas vinhas. Apesar de sermos do mesmo sangue dos nossos compatriotas, e de nossos filhos serem tão bons quanto os deles, ainda assim temos que sujeitar os nossos filhos e as nossas filhas à escravidão. E, de fato, algumas de nossas filhas já foram entregues como escravas e não podemos fazer nada, pois as nossas terras e as nossas vinhas pertencem a outros”.”.
De modo geral, a literatura poética e de sabedoria apresenta uma reflexão sobre riqueza e pobreza da perspectiva dos ricos. Porém, o estilo proverbial de grande parte dessa literatura é de origem popular. Por exemplo: Provérbios 14:21: “Quem despreza o próximo comete pecado, mas como é feliz quem trata com bondade os necessitados!”; Provérbios 31:8-9: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados.”; Provérbios 30:8b-9: “(...) não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário. Se não, tendo demais, eu te negaria e te deixaria, e diria: ‘Quem é o Senhor?’ Se eu ficasse pobre, poderia vir a roubar, desonrando assim o nome do meu Deus.”.

Que Deus, por sua graça, converta o nosso coração ao cuidado dos pobres!

Luiz Felipe Xavier.