sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

JESUS NASCE AQUI TAMBÉM

O Advento é tempo de grande expectativa, tempo de aquietar a alma e de meditar sobre o maior de todos os acontecimentos: a entrada de Deus na nossa história. Na nossa comunidade de fé, temos a tradição de celebrar o início do Advento com o musical das crianças. Este ano não foi diferente. Os nossos meninos e meninas contaram e cantaram como seria o Natal Brasileiro. Já caminhando para o fim, uma música ecoou de modo especial no meu coração e me levou às lágrimas. Em ritmo de samba, as crianças cantaram bem alto:

Sim, é Natal
Vida e alegria estão no ar
Eu quero lhe dizer
Que isto é pra você

O Menino Jesus que traz sua luz
Pra encher o mundo de paz
Nasceu e ensinou o valor do amor
Entre nós!

Mesmo longe de Belém
Sua vida chega aos nossos corações

Brasil! Vem Comemorar porque Jesus
Nasce Aqui Também

Brasil! Vem Comemorar porque Jesus
Nasce Aqui Também

Confesso que não sei se cantei ou orei estas últimas palavras. Acho que fiz as duas coisas: cantei orando e orei cantando. De lá para cá, no espírito do Advento, releio o início do Evangelho de Lucas. Ali, como as crianças cantaram, percebo que o Natal é tempo de grande alegria, tempo de celebrar a pessoa de Jesus e o Reino inaugurado por ele.
Certamente, a alegria é uma das grandes ênfases dos dois primeiros capítulos do Evangelho segundo Lucas. João Batista, o precursor do Salvador, será motivo de alegria para Zacarias, seu pai, e para muitos (1:14). Na anunciação, as primeiras palavras do anjo Gabriel a Maria são: “alegrem-se, agraciada” (1:28). Quando Maria saúda Isabel, o bebê João Batista agita-se de alegria ainda no ventre (1:44). Quando este nasce, vizinhos e parentes se alegram com sua mãe (1:58). E quando Jesus nasce, o anjo do Senhor traz boas novas de grande alegria a simples pastores de ovelhas (2:10).
Dentre tantas menções à alegria, uma chamou a minha atenção de modo especial: a do Magnificat. Depois do encontro com Isabel, Maria canta: “Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (1:48). Maria canta porque Deus atenta para a sua humildade. Agora, ela é bem-aventurada, é feliz. Maria canta porque reconhece que Deus é misericordioso. Essa misericórdia se estende de geração em geração. Maria canta porque Deus realiza poderosos feitos na história. Como sinais do Reino que Jesus inaugurará, ela destaca que os soberbos são dispersos, que os poderosos são derrubados, que os humildes são exaltados, que os famintos são saciados, que os ricos são despedidos de mãos vazias e que as pessoas são ajudadas.
Jesus nasceu e inaugurou esse Reino. Logo, tudo isso que alegrou o coração de Maria pode alegrar o nosso coração também. Porque o Reino de Deus já está presente em nós e entre nós, a realidade na qual vivemos pode ser transformada. É como as crianças cantaram! Porque o menino Jesus nasceu, a tristeza dá lugar à alegria. Alegria que fortalece todo o nosso ser. A morte, por sua vez, dá lugar à vida. Vida nova e constante novidade de vida. Sim, esta é uma realidade possível a todos e a cada um de nós! Jesus traz sua brilhante luz para quem se encontra em densas trevas. Ele é capaz de encher o nosso mundo de paz. Paz que só pode ser experimentada como produto da justiça pessoal e social. Acima de tudo, Jesus veio para nos ensinar a amar. Amar a Deus amando as pessoas. Amar tanto aqueles que julgamos amáveis quanto aqueles que julgamos não amáveis. Simplesmente amar!
É Natal! Alegremo-nos! O mesmo Jesus que nasceu em Belém nasce aqui no Brasil também.

Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A SOCIEDADE DO CANSAÇO E A ÚNICA COISA NECESSÁRIA

Ao que parece, estamos vivendo na chamada “Sociedade do Cansaço”. Um dos autores que nos ajudam a entender melhor este novo arranjo social é Byung-Chul Han, coreano radicado na Alemanha, onde ensina Filosofia e Estudos Culturais na universidade de Berlim. Descrevendo um dos aspectos dessa nossa sociedade, ele afirma: “O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica radicalmente a estrutura e economia da atenção. Com isso se fragmenta e destrói a atenção. Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma técnica específica relacionada ao tempo e à atenção, que tem efeitos novamente na estrutura da atenção. A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso.”.
Se Han está certo, o excesso de estímulos, informações e impulsos nos transforma em pessoas desatentas. Além disso, paradoxalmente, a necessidade de desenvolvermos a técnica da multitarefa implica retrocesso. Logo, nós podemos dizer que tanto uma coisa quanto a outra desintegram o nosso ser e adoecem a nossa espiritualidade. Diante dessa constatação, como reagir? Talvez o encontro de Jesus com Marta e com Maria nos apresente ensinamentos preciosos para esse tempo de tanto cansaço em que vivemos. Por isso, hoje, precisamos ouvir novamente as palavras do Mestre.
Lucas inicia a sua narrativa com a seguinte expressão: “Caminhando Jesus e os seus discípulos”. Essa expressão faz referência à viagem em curso da Galiléia à Judéia. Ou seja, Jesus e os seus discípulos estão em direção à Jerusalém. Sem especificar em qual, Lucas diz que Jesus entra em certo povoado. Nesse povoado, uma mulher de nome Marta o recebe. Implicitamente, esta recepção se dá em sua casa. Lucas não informa a duração da estadia de Jesus ali, mas afirma que Marta tem uma irmã chamada Maria. A partir daqui se estabelece o contraste entre as duas.
Na presença de Jesus, Maria tem uma atitude completamente diferente da atitude de Marta. Lucas diz que Maria, sentada aos pés do Senhor, ouvia as palavras dele. Marta, por sua vez, está envolvida em muito serviço. Se Marta é a anfitriã perfeita, Maria é o modelo acabado do discípulo. Diante de Jesus, se Marta sente-se obrigada a agir como uma mulher judia do século I, Maria sente-se absolutamente livre para não fazê-lo, pelo menos neste momento. Esta, sentada aos pés do Senhor, ouve as palavras dele.
Essa atitude de Maria incomoda tanto a Marta que esta se dirige a Jesus. Tendo se aproximado dele, ela pergunta: Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Como se não bastasse, ela continua: Dize-lhe que me ajude! Novamente, Marta está sendo inteiramente coerente com a cultura dos seus dias, uma cultura na qual as mulheres fazem exatamente o que ela está fazendo: cuidar da casa e servir aos homens.
Gentilmente, Jesus responde a Marta, dizendo: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lc. 10:41-42). Aqui, um detalhe é muito importante. Nos dias de Jesus, o sentar-se para ouvir é a atitude do discípulo homem em relação ao seu mestre homem. À mulher, esta atitude não é permitida. Assim, ao permitir e elogiar a atitude de Maria, Jesus está admitindo e reconhecendo o discipulado tanto de homens quanto de mulheres.
Em síntese, esse encontro com Marta e com Maria acentua especialmente o discipulado e a escuta da palavra de Jesus. Vale ressaltar que este não desqualifica o serviço de Marta, porém, insiste que suas preocupações e angústias podem estar fora de lugar. Isso porque, por um lado, um serviço, como o de Marta, que não presta a suficiente atenção à palavra não tem nenhuma garantia de continuidade efetiva. Por outro lado, estar à escuta da palavra, como Maria, é um bem duradouro que nunca será retirado do verdadeiro discípulo de Jesus.
Portanto, fica evidente que Lucas 10:38-42 é significativo e relevante para os cristãos atuais. Em um mundo marcado pela carência de bons e de belos referenciais, os cristãos de hoje são chamados a reconhecer em Jesus o seu Mestre e a obedecê-lo em tudo. Em um mundo marcado pela agitação e pelo consequente cansaço, os cristãos de hoje também são chamados a humildemente aquietaram-se na presença de Jesus. E, por fim, em um mundo marcado por muitas distrações, os cristãos de hoje são ainda chamados a considerar atentamente as palavras de Jesus e a descobrir que esta é a única coisa realmente necessária nesta vida.

Que assim seja, pela integralidade do nosso ser e pela saúde da nossa espiritualidade!

Luiz Felipe Xavier.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O CUIDADO DOS POBRES NO ANTIGO TESTAMENTO

O tema desta primeira reflexão é o cuidado dos pobres, também chamados “necessitados”, “vulneráveis”, “marginalizados”, “excluídos”, etc.. Uma leitura atenta das Escrituras Sagradas deixa claro que Deus deseja que sejamos seus parceiros no cuidado dos pobres. No Antigo Testamento, este desejo pode ser observado nos três períodos da história do povo de Israel.

Antigo Israel

O período denominado “antigo Israel” vai das origens à monarquia (reis). Deus cria tudo, especialmente o ser humano: homem e mulher. A imagem e semelhança confere-lhes dignidade (Gn. 1:26-27) e o “mandato cultural” confere-lhes responsabilidade (Gn. 1:28). Na sequencia narrativa encontram-se a queda, o dilúvio, a torre e Abraão – o patriarca.
O tempo dos patriarcas é marcado pelo seminomadismo e a economia é agropastoril. Nesse tempo não há pobres. A primeira experiência de pobreza do povo de Israel se dá com a escravidão no Egito. Aqui há uma importante descoberta: Deus ouve os pobres. É o que está escrito em Êxodo 2:23-25: “Muito tempo depois, morreu o rei do Egito. Os israelitas gemiam e clamavam debaixo da escravidão; e o seu clamor subiu até Deus. Ouviu Deus o lamento deles e lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaque e Jacó. Deus olhou para os israelitas e viu a situação deles.” (Êx. 2:23-25).
O tempo depois do Êxodo é marcado pelo sedentarismo e a economia é agrícola. A posse da terra será a base para as desigualdades posteriores. É nesse tempo que surgem efetivamente os pobres no povo de Israel. Logo, são necessárias leis sociais que garantam os seus direitos. Há, basicamente, quatro tipos de leis que relativizam a posse de propriedade, principal causa desta pobreza: leis contra juros; leis sobre dias e anos de descanso (Sábado, Ano Sabático e Ano do Jubileu); leis acerca de taxas, dízimos e ofertas; e outras leis referentes à justiça para os pobres. Dentre estas se destacam: mandamento que trata do sustento do pobre – Lv. 19:9-10: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as extremidades da sua lavoura nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.”; mandamento que trata do cuidado do estrangeiro – Ex. 23:9: “Não oprima o estrangeiro. Vocês sabem o que é ser estrangeiro, pois foram estrangeiros no Egito.”; mandamento que trata da subsistência e da vida do pobre – Dt. 24:6: “Não tomem as duas pedras de moinho, nem mesmo apenas a pedra de cima, como garantia de uma dívida, pois isso seria tomar como garantia o meio de subsistência do devedor.”; e mandamento que trata da imparcialidade nos tribunais – Ex. 23:6: “Não perverta o direito dos pobres em seus processos.”.

Monarquia

O período denominado “monarquia” vai da centralização do poder (reis) ao desterro (cativeiro babilônico). Nesse tempo, a economia passa a ser predominantemente urbana. Forma-se um exército nacional, emergem numerosas profissões (ref. à indústria, à construção e ao comércio), estabelece-se uma burocracia administrativa, aparece a classe dirigente, aumentam os gastos com o luxo da corte e com o harém dos reis, formam-se os latifúndios, oprimem-se os trabalhadores, e cobram-se pesados tributos sobre os povos dominados e sobre o próprio povo de Israel.
Em meio a estes graves problemas econômico-sociais surge o profetismo. A mensagem dos profetas é caracterizada pela denúncia do pecado do povo e pelo anúncio do juízo ou do livramento de Deus. No fundo, ela é um chamado à conversão. Uma das principais denúncias dos profetas tem relação direta com a extorsão – Ez. 22:29: “O povo da terra pratica extorsão e comete roubos; oprime os pobres e os necessitados e maltrata os estrangeiros, negando-lhes justiça.”; com o roubo – Mq. 2:1-2: “Ai daqueles que planejam maldade, dos que tramam o mal em suas camas! Quando alvorece, eles o executam, porque isso eles podem fazer. Cobiçam terrenos e se apoderam deles; cobiçam casas e as tomam. Fazem violência ao homem e à sua família; a ele e aos seus herdeiros.”; e com a opressão – Am. 5:10-13: “(...)  vocês odeiam aquele que defende a justiça no tribunal e detestam aquele que fala a verdade. Vocês oprimem o pobre e o forçam a entregar o trigo. Por isso, embora vocês tenham construído mansões de pedra, nelas não morarão; embora tenham plantado vinhas verdejantes, não beberão do seu vinho. Pois eu sei quantas são as suas transgressões e quão grandes são os seus pecados. Vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais. Por isso o prudente se cala em tais situações, pois é tempo de desgraças.”.
Assim, dentre outras coisas, a conversão é evidenciada pela busca de justiça para o pobre. Exemplos claros disso estão em Isaías e em Jeremias: “Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva.”; “O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?” (Is. 1:16-17 e 58:6-7); “Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada, sem pagar-lhes o devido salário. Ele diz: ‘Construirei para mim um grande palácio, com aposentos espaçosos’. Faz amplas janelas, reveste o palácio de cedro e pinta-o de vermelho. “Você acha que acumular cedro faz de você um rei? O seu pai não teve comida e bebida? Ele fez o que era justo e certo, e tudo ia bem com ele. Ele defendeu a causa do pobre e do necessitado, e, assim, tudo corria bem. Não é isso que significa conhecer-me?”, declara o Senhor . “Mas você não vê nem pensa noutra coisa além de lucro desonesto, derramar sangue inocente, opressão e extorsão”.” (Jr. 22:13-17).
Além da busca de justiça para o pobre, a conversão também é evidenciada pela busca do bem estar da cidade. Jeremias 29:7 ordena isso: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.”.

Judaísmo

O período denominado “judaísmo” vai do desterro (cativeiro babilônico) até os dias de Jesus. Neste tempo, para aqueles que são exilados e retornam, a economia continua sendo predominantemente, não exclusivamente, urbana (ref. à indústria e ao comércio). Não há mais reis em Israel, o povo se encontra sob algum império (persa, grego ou romano) e sob pesadas cargas tributárias, os judeus ricos – latifundiários – exploram os judeus pobres – trabalhadores. Neemias 5:1-5 é um quadro deste tempo: “Ora, o povo, homens e mulheres, começou a reclamar muito de seus irmãos judeus. Alguns diziam: “Nós, nossos filhos e nossas filhas somos numerosos; precisamos de trigo para comer e continuar vivos”. Outros diziam: “Tivemos que penhorar nossas terras, nossas vinhas e nossas casas para conseguir trigo para matar a fome”. E havia ainda outros que diziam: “Tivemos que tomar dinheiro emprestado para pagar o imposto cobrado sobre as nossas terras e as nossas vinhas. Apesar de sermos do mesmo sangue dos nossos compatriotas, e de nossos filhos serem tão bons quanto os deles, ainda assim temos que sujeitar os nossos filhos e as nossas filhas à escravidão. E, de fato, algumas de nossas filhas já foram entregues como escravas e não podemos fazer nada, pois as nossas terras e as nossas vinhas pertencem a outros”.”.
De modo geral, a literatura poética e de sabedoria apresenta uma reflexão sobre riqueza e pobreza da perspectiva dos ricos. Porém, o estilo proverbial de grande parte dessa literatura é de origem popular. Por exemplo: Provérbios 14:21: “Quem despreza o próximo comete pecado, mas como é feliz quem trata com bondade os necessitados!”; Provérbios 31:8-9: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados.”; Provérbios 30:8b-9: “(...) não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário. Se não, tendo demais, eu te negaria e te deixaria, e diria: ‘Quem é o Senhor?’ Se eu ficasse pobre, poderia vir a roubar, desonrando assim o nome do meu Deus.”.

Que Deus, por sua graça, converta o nosso coração ao cuidado dos pobres!

Luiz Felipe Xavier.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

SEGUNDO CONGRESSO NACIONAL DE MIQUEIAS BRASIL - OLHAR RETROSPECTIVO

O Segundo Congresso Nacional de Miqueias Brasil aconteceu entre os dias 24 e 27 de junho de 2019, na cidade de Salvador, Bahia. Irmãos e irmãs de todas as regiões país se reuniram para refletir sobre o seguinte tema: Vim para que tenham vida – a ação da Igreja na construção da vida plena. Esta reflexão se deu em torno de três eixos principais: equidade, espiritualidade e resiliência.

O que segue é um olhar retrospectivo do que vivenciamos ali. Mas, antes, é importante considerar duas limitações e duas observações. A primeira limitação é da presença. O conteúdo abaixo se refere apenas às falas que estive presente. A segunda limitação é da afetação. O que escrevo corresponde à forma como fui afetado pelo que ouvi.

A primeira observação é que, por sua diversidade, estão de fora os conteúdos das várias oficinas. Essas aconteceram no início de cada tarde. E a segunda observação é que, pela dimensão mais testemunhal, também estão de fora os compartilhamentos das ações que sinalizam o Reino de Deus em diversos contextos brasileiros. De modo geral, esses testemunhos encerravam a programação de cada dia, enchendo-nos de gratidão e de encorajamento para o que viria a seguir. Passemos às impressões.

Redescobrimos que a espiritualidade de Jesus de Nazaré se expressa no levantar os caídos nas estradas da vida.

Refletimos que a equidade se faz necessária diante de uma realidade marcada pela injustiça. Ela é uma ação de reparação que nasce do amor de Deus que respiramos e que transpiramos.

Recordamos que “na origem da desigualdade está a propriedade.” (Rousseau). Porém, a realidade da criação de Deus é marcada por igualdade, complementaridade e dignidade. Logo, Deus é o fiel da balança que equilibra as relações humanas. Por isso, a conversão a Cristo é também uma conversão aos despossuídos deste mundo. Todavia, lamentavelmente, a desigualdade é um pecado naturalizado na grande maioria das nossas instituições, sejam elas religiosas ou não.

Ao que parece, as pessoas querem a ideia de fazer algo e não o fazer concreto. Isso nos coloca diante de um desafio: fazer exegese bíblica séria e ter uma prática social coerente.

Relembramos que, em um primeiro momento, os Direitos Humanos enfatizaram a liberdade e as condições necessárias para tal. Dignidade, universalidade, inalienabilidade, indivisibilidade, inter-relacionalidade e interdependência eram suas marcas. Com o passar do tempo, à liberdade foram somadas a igualdade, a fraternidade, a pluralidade (de opinião e de participação) e a dignidade (a vida e a paz).

Apesar da pluralidade do movimento evangélico brasileiro, há pelo menos três discursos que o perpassam: o da prosperidade, o da integralidade e o da integridade (este último, o mais recente).

Reconhecemos que a conjuntura atual é marcada tanto por um capitalismo de vigilância (Zuboff N.) quanto por um populismo autoritário (Demirovic A.). Assim, estamos frente a outro desafio: ensinar sobre redes sociais e mídias digitais,  lembrando sempre que informação não é sinônimo de conhecimento. É assustador saber que, depois do Google, com informações sobre todos os seus usuários, há abordagens específicas direcionadas a todos e a cada um deles.

Hoje, o grande problema é que o capitalismo entende que não dá para atender a todas as pessoas. Assim sendo, é preciso eliminar algumas: as pobres. Para um aprofundamento dessa temática, recomenda-se a leitura de dois livros do professor Dr. Jung Mo Sung: 1) A graça de Deus e a loucura do mundo; 2) Idolatria do dinheiro e Direitos Humanos. Consequentemente, ser pobre passa a ser “crime” e as políticas sociais deixam de existir. Isso nos coloca diante de uma importante questão: quais são as políticas sociais que precisam ser fomentadas pela Igreja? Vale ressaltar que Igreja e Universidade são dois espaços de resistência, de re-existência (uma dimensão alternativa de temporalidade) e de comunidade (um espaço de crítica). Infelizmente, ao que parece, de agora em diante no nosso pais, os Direitos Humanos se restringirão à liberdade individual. É tanto um reducionismo quanto um retrocesso!

Retomamos a vida, a justiça e a liberdade como eixos bíblicos estruturantes. No Magnificat, mais especificamente, fizemos teologia com Maria. Isso se deu a partir de duas dimensões. A primeira dimensão foi teológica. Por graça, Deus, que é, visita quem não é em sua condição de “ninguendade”. O Senhor de Maria é Deus, o Salvador. Ele vai onde ninguém vai. Esse Deus é também Poderoso e Santo. Ele manifesta sua misericórdia na história. Aqui, um detalhe importante: toda teologia é produto do seu espaço e do seu tempo. A segunda dimensão é missiológica. Deus dispersou os arrogantes. O seu imponderável aconteceu em Nazaré da Galiléia. Deus derruba os poderosos e despede de mãos vazias os ricos. Aqui, outro detalhe importante: onde há mais desigualdade social, há mais violência. Então, nas questões atuais do nosso país, a igreja de Jesus deve se posicionar ao lado da justiça e ao lados dos empobrecidos.

Rememoramos que resiliência é um termo da física. Refere-se à capacidade de retorno da matéria ao seu estado inicial, depois de passar por situações extremas. Portanto, de forma simples, resiliente é o que enverga, mas não quebra. Por razões óbvias, só quem lida com situações extremas de tensão e de compressão tem a capacidade de desenvolver resiliência.

Dentre outros, há três textos de Paulo que tratam desta temática. O primeiro é Filipenses 4:11-13. Em Deus que nos fortalece, é possível passar por situações adversas. O segundo é 2 Coríntios 4:8-12. Causas exógenas não podem afetar nossas convicções endógenas. E o terceiro é Romanos 8:35-39. Sobre todas as coisas, as que controlamos e as que não controlamos, somos mais que vencedores. Logo, através dos processos de resiliência que nos ensinam competências e habilidades, o nosso propósito na vida é gerar mais vida. Contudo, é o amor, acima de tudo, não as dificuldades, que nos torna aptos para a vida. Isso porque Deus formou, a queda deformou e a resiliência transforma.

Recobramos a espiritualidade como o mistério da presença divina que abre possibilidades, que traz para a nossa temporalidade outras temporalidades. Essa espiritualidade nos humaniza. Ela é o sopro de Deus sobre nós e em nós.

Nós vivemos em tempo de despertar de espiritualidades. Isso porque não damos conta das realidades que criamos. Assim, discernir o nosso tempo, de angústia, de desesperança e de cansaço, é o nosso desafio. O problema é que nós parecemos estar cansados de nós mesmos.

Ao que tudo indica, a era do humanismo está chegando ao fim. Neste crepúsculo, o capitalismo se transformou na primeira teologia secular global (com suas noções de liberdade, de competição e de mercadoria). Agora, o deus Mercado domestica tudo.

Diante deste cenário, a espiritualidade cristã sofre a realidade e abraça os desesperados. O discípulo de Jesus é aquele ou aquela que discerne tudo espiritualmente para o bem do outro, do próximo. Ou seja, nós discernimos a realidade a partir da dor. O Deus a quem servimos olha, por exemplo, para Oscar e Valéria, mortos na margem do rio, e chora (FOTO). Esse Deus não foge da realidade, da gente e do sofrimento.


Assim sendo, só há uma espiritualidade cristã: a da justiça. Deus se revela no meio da dor, pronuncia sua palavra e traz esperança. Por isso, falar de espiritualidade da justiça é falar de Jesus de Nazaré, de tudo o que ele assume sobre e para si. O nosso Salvador e Senhor bebe dos profetas, e estes sonham e anunciam a justiça. Consequentemente, as Escrituras estão grávidas da justiça de Deus e Jesus é a sua encarnação.

O produto da justiça é o shalom de Deus. É digno de nota que tudo que é bom e belo nas Escrituras fala da justiça. O problema é que parte da igreja de Jesus domesticou as Escrituras. Esses irmãos e irmãs precisam, urgentemente, redescobrir os profetas e sua mensagem da justiça de Deus. Esta redescoberta traz consigo a esperança. Isso porque quando falamos da justiça, nós nos encontramos com o Deus da justiça.

Por fim, genuína indignação e sede de justiça devem tomar o nosso coração. Fomos mais uma vez convidados a assumir Jesus de Nazaré e suas convicções mais profundas. Animados pela ressurreição do corpo de Cristo, podemos seguir adiante contra todas as formas da morte.

Certamente, cada um que esteve ali e tomou nota do que ouviu poderia enriquecer em muito estas impressões. De uma coisa estou certo: nós ouvimos a voz de Deus. Que ele mesmo, pelo poder do seu Espírito, nos conduza à ação!

Luiz Felipe Xavier

terça-feira, 30 de abril de 2019

HOJE, ELE COMPLETARIA 100 ANOS...


Se estivesse vivo, meu avô Wilson completaria 100 anos hoje.

Ele foi uma das pessoas mais fantásticas que já conheci. Sua luta coerente por justiça social e por igualdade me marcaram e me encorajam na vida.

Ícho, era assim que eu o chamava, você faz muita falta. Há quase 16 anos você nos deixou e, até hoje, a saudade que sinto de você chega a doer. Em breve, estaremos juntos por toda a eternidade. 

Seu primeiro neto, Luiz Felipe.

quarta-feira, 6 de março de 2019

A QUE COMPARAREMOS O REINO DE DEUS?


Certa vez, Jesus contou duas parábolas: a do Grão de Mostarda e a do Fermento (Lc. 13:18-21). Essas duas parábolas tratam do Reino de Deus. Em poucas palavras, o Reino de Deus é o governo de Deus. Deus governa de direito sobre toda a sua criação e de fato sobre tudo e sobre todos aqueles que estão sob a sua vontade. Logo, o Reino de Deus já está presente em nós e entre nós, mas ainda não em sua plenitude. A boa notícia é que esse Reino está acessível a todos que se arrependem e creem. Em quase tudo, os valores do Reino de Deus são opostos aos valores dos reinos deste mundo. É por isso que aqueles que entram nesse Reino são transformados e recebem a missão de transformar o seu entorno. Assim, mesmo que não percebamos, o Reino de Deus está crescendo. Nas parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento, encontramos dois aspectos desse crescimento.

O crescimento do Reino de Deus é grandioso.

Este é o princípio espiritual da Parábola do Grão de Mostarda. Nessa parábola, Jesus compara o Reino de Deus ao grão de mostarda que um homem semeou em sua horta. No relato de Lucas, Jesus estabelece apenas um contraste entre o pequeno e o grande. Um grão de mostarda cresce e se transforma em uma árvore. Tanto no mundo judeu quanto no mundo grego-romano, o grão de mostarda é proverbialmente conhecido pelo seu pequeno tamanho. Contudo, Jesus diz que ele “cresceu e se tornou uma árvore, e as aves do céu fizeram ninhos em seus ramos”. Nos relatos de Mateus e Marcos, Jesus estabelece outro contraste entre menor e maior. O grão de mostarda é a “menor semente”, entretanto, torna-se a “maior de todas as hortaliças”. Parafraseando as palavras de Jesus nesta parábola, George E. Ladd declara: “Não deixe que a aparente irrelevância o engane. Não desanime. Virá o tempo em que esse mesmo Reino de Deus, agora presente como uma semente minúscula, será um grande arbusto, tão grande que as aves do céu virão e se alojarão em seus ramos.”.
O Reino de Deus cresce grandiosamente em nós... Isso porque o Espírito Santo promove o nosso crescimento espiritual. Crescemos espiritualmente à medida que somos conformados à imagem de Cristo. Esse ser conformado à imagem de Cristo é um processo gradual e progressivo. O Reino de Deus também cresce grandiosamente entre nós... Isso porque Deus promove transformação integral. À medida que cresce, o Reino de Deus vai transformando tudo.

O crescimento do Reino de Deus é oculto

Este é o princípio espiritual da Parábola do Fermento. Nessa parábola, Jesus compara o Reino de Deus ao fermento que uma mulher misturou com uma grande quantidade de farinha. Sobre isso, José A. Pagola comenta: “Todas as semanas, na véspera do sábado, as mulheres se levantavam cedo e saíam ao pátio para fazer o pão. Antes do amanhecer, já estavam preparando a massa, introduziam depois o fermento fresco para fermentá-la, cobriam tudo com um pano de lã e esperavam que a massa crescesse lenta e silenciosamente. Enquanto isso acendiam o fogo e esquentavam a pedra sobre a qual assariam o pão. Da cama, os filhos podiam sentir o aroma inconfundível dos pães preparados amorosamente por suas mães. Jesus não havia esquecido esta cena familiar.”.
Depois de algum tempo, o resultado de se misturar fermento com farinha é uma massa fermentada. Aqui, Jesus estabelece mais um contraste, desta vez, entre o oculto e o revelado. O fermento age sobre a farinha de maneira oculta. Somente a massa toda fermentada é que revela esta ação. Assim também é a ação do Reino de Deus. Como fermento opera na massa de maneira irreversível, o Reino de Deus opera neste mundo de maneira irreversível. Comentando esta parábola, Ladd afirma: “Aqui, fermento não se refere ao mal. Ilustra a verdade de que o Reino de Deus, por vezes, parece ser uma coisa pequena, irrelevante. O mundo pode desprezá-lo e ignorá-lo. O que um carpinteiro galileu e uma dúzia de judeus poderia realizar? Mas não desanimem, dia virá em que o Reino de Deus ocupará toda a terra, da mesma forma que o fermento enche toda a tigela. Os propósitos de Deus não serão frustrados.”.
O Reino de Deus cresce ocultamente em nós... Isso porque o Espírito Santo potencializa as nossas pequenas ações em relação à vontade de Deus. À medida que essas pequenas ações são potencializadas, grandes transformações acontecem. Ao longo de todo esse processo, podemos discernir a ação oculta de Deus e celebrar cada mudança, por menor que seja. O Reino de Deus também cresce ocultamente entre nós... Isso porque Deus nos envia como agentes de transformação deste mundo. Neste sentido, José A. Pagola nos desafia a agir “como ‘fermento’ que introduz no mundo a sua verdade, sua justiça e seu amor de maneira humilde, mas com força transformadora. Nós, seguidores de Jesus não podemos apresentar-nos nessa sociedade como ‘de fora’, tratando de impor-nos para dominar e controlar aqueles que não pensam como nós. Devemos viver ‘dentro’ da sociedade, compartilhando as incertezas, crises e contradições do mundo atual, e trazendo nossa vida transformada pelo Evangelho. Temos de aprender a viver nossa fé ‘em minoria’ como testemunhas fiéis de Jesus. O que a igreja precisa não é de mais poder social ou político, mas de mais humildade para deixar-se transformar por Jesus e poder ser o fermento de um mundo mais humano.”.

Que o Reino de Deus cresça em nós e entre nós!

Luiz Felipe Xavier.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

VIVENDO SOB O DOMÍNIO DA GRAÇA

A Parábola dos Trabalhadores da Vinha está presente apenas em Mateus e, neste Evangelho, é a única que se encontra na viagem de Jesus da Galiléia à Judéia. Ela é uma ilustração da inversão que se dá no Reino dos Céus ou Reino de Deus. Nesse Reino, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. Isso porque, dentre outras coisas, o Reino dos céus ou Reino de Deus é o domínio da graça, da gratuidade. Para vivermos sob esse domínio, precisamos superar três tendências muito comuns em nós mesmos e no nosso entorno.

Tendência ao mérito

Jesus começa a Parábola dos Trabalhadores da Vinha comparando o Reino dos céus a um proprietário que sai para contratar trabalhadores para a sua vinha. Esses trabalhadores estão na praça, esperando por alguém que os contrate por um dia. O expediente diário é de doze horas, de seis da manhã a seis da tarde, de sol a sol. Por essas doze horas de trabalho recebe-se um denário, o salário de um dia. O proprietário contrata trabalhadores em cinco momentos. Às 06h, o combinado é pagar um denário pelo trabalho. Às 09h, o combinado é pagar o que for justo. Às 12 e às 15h, o combinado é o mesmo: pagar o que for justo. E, às 17h, não há combinado.  Os trabalhadores da primeira contratação esperam receber um denário. Os trabalhadores das demais contratações esperam receber as frações de um denário, proporcionais às horas dedicadas. Ou seja, todos esperam receber de acordo com os seus méritos.
A nossa tendência a viver sob o domínio dos méritos nos impede de viver sob o domínio da graça. Quase tudo no nosso entorno opera na lógica do mérito-retribuição (p. ex.: aprovações, contratações, promoções, etc.). E como vivemos sob o domínio do mérito, tendemos a transferir esse domínio à nossa relação com Deus. Porém, em assim fazendo, estamos impedidos de viver sob o domínio da graça. A boa notícia é que Deus não nos trata segundo os nossos méritos. Assim sendo, a relação dele conosco é baseada na graça, expressão do seu amor constante.

Tendência à comparação

Por volta das 18h, ao cair da tarde, o dono da vinha diz ao seu administrador que chame os trabalhadores e pague-lhes o salário. Até aqui, tudo bem. Daqui em diante, uma grande surpresa. A orientação do proprietário ao seu administrador quanto ao pagamento é a seguinte: comece com os últimos contratados e termine com os primeiros – essa é a surpresa. Ele deseja que os que foram contratados primeiro observem o pagamento dos que foram contratos por último. Imaginemos a cena... “Trabalhadores contratados às 17h: um denário.” Os contratados às 06h. fazem contas. “Trabalhadores contratados às 15h: um denário.” Os contratados às 06h olham uns para os outros. “Trabalhadores contratados às 12h: um denário.” Os contratados às 06h são tomados por incompreensão. “Trabalhadores contratados às 09h: um denário.” Os contratados às 06h, ficam apreensivos. “E trabalhadores contratados as 06h: um denário.” Diz o texto que estes “esperavam receber mais”. Se o combinado foi um denário, por que eles esperam receber mais? Porque eles se comparam com os outros. Eles se consideram merecedores de um salário superior ao dos outros.
A nossa tendência a viver sob o domínio da comparação nos impede de viver sob o domínio da graça. Quase tudo no nosso entorno opera também na lógica da comparação-superação. E como vivemos sob o domínio da comparação, tendemos a transferir esse domínio à nossa relação com o nosso próximo. Todavia, em assim fazendo, estamos impedidos de viver sob o domínio da graça. A boa notícia é que somos todos iguais diante de Deus. Consequentemente, a nossa relação com o nosso próximo é baseada na graça, expressa no alegrar-se com os que se alegram.

Tendência à ingratidão

Quando recebem o seu denário, os trabalhadores contratados às 06h começam a se queixar do proprietário da vinha. Ao invés de serem tomados por gratidão, são tomados por ingratidão. Essa ingratidão é traduzida em palavras: “Estes homens contratados por último trabalharam apenas uma hora, e o senhor os igualou a nós, que suportamos o peso do trabalho e o calor do dia”. Estaria o proprietário da vinha sendo injusto com os trabalhadores que foram contratados às 06h? A resposta é: não. Isso porque, como diz o ditado, o que é combinado não é caro. Estaria, então, o proprietário da vinha sendo justo com os trabalhadores que foram contratados nas demais horas do dia? A resposta também é: não. Isso porque justo seria pagar as frações de horas trabalhadas. Se o proprietário não está sendo justo, o que ele está sendo? A resposta é: gracioso. A graça transcende a justiça. Isso fica evidente na sua resposta aos trabalhadores queixosos: “Amigo, não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um denário? Receba o que é seu e vá. Eu quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que dei a você. Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?” A graça do proprietário é expressa em generosidade aos que foram contratados por último. Por isso, Jesus conclui a parábola com as seguintes palavras: “Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos”.
A nossa tendência a viver sob o domínio da ingratidão nos impede de viver sob o domínio da graça. Quase tudo no nosso entorno opera ainda na lógica da ingratidão-obrigação. E como vivemos sob o domínio da ingratidão, tendemos a transferir esse domínio à nossa relação com Deus e com o próximo. Contudo, em assim fazendo, estamos impedidos de viver sob o domínio da graça. A boa notícia é que somos todos alvos da bondade de Deus. Portanto, a nossa relação com ele e com o próximo é baseada na graça, expressa em obediência e serviço.

Que Deus nos ajude a viver sob o domínio da graça!

Luiz Felipe Xavier.