quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O que é mais importante na vida

Jesus está em Jerusalém, na última semana do seu ministério terreno. Ali, ele pronuncia uma sentença contra o judaísmo do templo e reforça essa sentença. Neste reforço, Jesus conta a Parábola dos Lavradores aos chefes dos sacerdotes, aos mestres da lei e aos líderes religiosos. Depois disso, ele responde ao questionamento dos fariseus e dos herodianos sobre o pagamento de imposto a César, ao questionamento dos saduceus sobre a realidade da ressurreição e ao questionamento de um mestre da lei sobre os mandamentos. Acima de tudo, Jesus deixa claro que os seus discípulos são aqueles que obedecem aos seus mandamentos.
O mandamento mais importante é o amor a Deus (Mc. 12:28-30). Marcos diz que um mestre da lei se aproxima de Jesus e ouve o que ele estava discutindo com os saduceus sobre a realidade da ressurreição. Esse mestre da lei gosta da resposta de Jesus aos saduceus e se sente à vontade para lhe perguntar sobre qual é o mandamento mais importante. Na lei de Moisés há 613 mandamentos, sendo 365 ordens e 248 proibições. Logo, debater a importância relativa desses mandamentos é algo comum entre os mestres da lei. Eles querem descobrir o mais importante, o que explica os demais. Jesus responde à pergunta citando Deuteronômio 6:4-5, o shema: “Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças.”. Estes versos são recitados por todos os judeus no início e no fim do dia. Neles, observamos alguns detalhes interessantes. Primeiro, o povo de Deus é o povo da escuta. O texto afirma: “Ouve, ó Israel”. Segundo, a escuta possibilita o relacionamento pessoal com Deus. Esse Deus pode ser chamado de “nosso”. Terceiro, o único Deus com o qual o seu povo se relaciona pessoalmente é a Trindade. Em Deuteronômio 6:4, fonte dessa citação de Jesus, a palavra “Deus” é tradução de elohiym, um plural majestático. Literalmente, essa tradução seria “Deuses”. Nela, a fé cristã vê uma referência às pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Além disso, a palavra “único” é tradução de echad, “um conjunto”. Os hebreus têm duas palavras para dizer “um”: yachiyd, que é “um” para uma peça única (p. ex.: um pêssego); e echad, que é “um” para um conjunto único, distinto e só reconhecível como tal (p. ex.: um cacho de uva – talo e uvas separadamente não são cacho). Assim, o Deus de Israel é um só Deus, em três pessoas. Quarto, o povo de Deus ama a Deus com todo o seu ser. O texto diz: “Ame o Senhor”. Este amor é de todo o coração, que é o centro da vida, o centro das decisões e das ações. É amor de toda a alma, com sentimentos, afeições e desejos. É amor de todo o entendimento, com mente, intelecto e pensamentos. É amor de todas as forças, com todo vigor. Assim sendo, Jesus deixa claro que o amor a Deus é o mandamento mais importante.
Diante de tudo isso, como amamos a Deus? O nosso amor a Deus expressa-se, especialmente, em obediência (Cf. Jo. 14:21). Nós amamos a Deus adorando-lhe exclusivamente. Isso significa que os ídolos devem ser identificados e abandonados. Nós amamos a Deus buscando-lhe integralmente. Isso porque a sede e a fome espirituais são marcas de alguém que nasceu de novo, que foi regenerado. Dentre outras coisas, essa busca por Deus nos exigirá algo muito precioso: o nosso tempo.
O segundo mandamento mais importante é o amor ao próximo (Mc. 12:31-34). Tendo respondido a pergunta do mestre da lei sobre o mandamento mais importante, Jesus, citando agora Levítico 19:18, acrescenta o segundo mais importante: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. Esse “como a si mesmo” pressupõe que o amor próprio seja algo natural. E Jesus continua, afirmando: “Não existe mandamento maior do que estes”. Aqui temos um detalhe importante: A palavra “mandamento” está no singular. Isso significa que o amor a Deus e o amor ao próximo são um só e mesmo mandamento. É exatamente isso que o apóstolo João diz: “Ele nos deu este mandamento [singular]: Quem ama a Deus, ame também o seu irmão.” (1 Jo. 4:21). Jesus deixa claro que o amor ao próximo é o segundo mandamento mais importante. Consequentemente, o amor é a lei da vida para todos aqueles que são discípulos de Jesus. Sobre isso, o apóstolo João também afirma: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros.” (Jo. 13:34-35). Então, o amor é a identidade dos discípulos de Jesus. Evitando mencionar o nome de Deus, o mestre da lei reconhece que Jesus está certo. Jesus, por sua vez, declara: “Você não está longe do Reino de Deus.”. Apesar da sua religiosidade, o mestre da lei ainda está fora. Mas está perto. Para entrar no Reino de Deus, basta arrepender-se e crer (Cf. Mc. 1:14-15).
Frente a tudo isso, como amamos ao nosso próximo? O nosso amor ao próximo manifesta-se, principalmente, em serviço. Nós amamos o nosso próximo quando discernimos suas necessidades e procuramos supri-las. Para tal, precisamos de ouvidos atentos, de coração aberto e de mãos operantes. Nós amamos o nosso próximo com atitudes concretas de bondade em sua direção. Sobre isso, Ricardo Barbosa escreve: “É possível amar uns aos outros, até mesmo os inimigos, como Jesus afirmou. Não se trata do que eu sinto por eles, mas do quanto eu estou disposto a promover o bem deles. Foi isso que Deus fez por meio de Cristo, e é isso que somos chamados a fazer.”.
Que Deus, por sua graça, nos ajude a realizar o que é mais importante na vida! Que ele nos ajude a amar!

Luiz Felipe Xavier.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Somente Cristo

Estamos comemorando os 500 anos da Reforma Protestante. Comemorar é trazer à memória, é recordar algo junto com alguém. Queremos comemorar especialmente os chamados 5 Solas: somente a Escritura, somente Cristo, somente a graça, somente a fé e somente a Deus glória. Isso porque nesses 5 Solas encontram-se as verdades centrais do Evangelho. Somente a Escritura, devidamente interpretada, é absoluta em questões relacionadas à nossa fé e à nossa prática. Ela nos apresenta Cristo e somente Cristo é o nosso Salvador e Senhor. A salvação que ele nos oferece é somente pela graça. Ela é um presente que recebemos somente pela fé. Logo, somente Deus é digno de toda a glória. Essas verdades centrais do Evangelho nos conferem identidade e nos convocam à unidade.

O vídeo abaixo é uma seleção que fiz de cenas do filme “Lutero”. Essa seleção ilustra o contexto histórico, principalmente religioso, no qual nasce a Reforma Protestante. Ao assistir esse vídeo, tente imaginar o poder dos 5 Solas na vida daquela gente simples da Europa no século XVI...





Aqui, de modo especial, interessa-nos um dos 5 Solas: o somente Cristo. Como visto no vídeo, na Idade Média, a igreja romana forja em seus membros a compreensão de que a salvação é alcançada por suas boas obras. Dentre elas estão as confissões aos sacerdotes, as práticas das penitências, as intercessões dos santos, as coleções das relíquias, as compras das indulgências, as celebrações das missas, etc.. Diante disso, os reformadores propõem que a salvação baseia-se única e exclusivamente na obra de Cristo realizada na cruz, e que a salvação é produto da justiça de Cristo imputada graciosamente por Deus aos seres humanos pecadores. Assim, somente Cristo é o mediador entre Deus e os homens (cf. 1 Tm. 2:5).

Talvez um dos melhores exemplos do “somente Cristo” no pensamento de Martinho Lutero esteja no conhecido Debate de Heidelberg. Esse debate acontece em 26 de abril de 1518, na reunião trienal do capítulo geral dos agostinianos alemães. Para ele, Lutero prepara 28 teses teológicas. Da tese 1 à tese 18, fica evidente que o ser humano não pode confiar na obediência à lei e na prática das boas obras para se salvar. Da tese 19 à tese 22, fica evidente que a teologia da glória é oposta à teologia da cruz. E da tese 23 à tese 28, fica evidente que a salvação para o ser humano está somente em Cristo. Observemos algumas dessas teses, seguidas dos comentários do próprio Lutero sobre elas.

16) O ser humano que crê querer chegar à graça fazendo o que está em si acrescenta pecado sobre pecado, de sorte que se torna duplamente réu.
“A lei humilha, a graça exalta. A lei opera o temor e a ira; a graça opera a esperança e a misericórdia. Pois pela lei é adquirido o conhecimento do pecado; pelo conhecimento do pecado, porém, a humildade; e pela humildade, a graça. Desta forma, a obra estranha de Deus realiza, por fim, a sua própria, fazendo um pecador para torná-lo justo.”
17) Entretanto, falar assim não significa dar motivo para o desespero, mas para humilhar-se, e suscitar o empenho no sentido de procurar a graça de Cristo.
“Pois o desejo da graça só surge quando nasceu o conhecimento do pecado. (...) De igual modo, dizer que nada somos e que sempre pecamos quando fazemos o que está em nós não é tornar as pessoas desesperadas (a não ser que sejam tolas), e sim torná-las ansiosas pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo.”
18) Certo é que o ser humano deve desesperar totalmente de si mesmo, a fim de tornar-se apto para conseguir a graça de Cristo.

19) Não se pode designar condignamente de teólogo quem enxerga as coisas invisíveis de Deus compreendendo-as por intermédio daquelas que estão feitas;
20) mas sim quem compreende as coisas visíveis e posteriores de Deus enxergando-as pelos sofrimentos e pela cruz.
“Assim, não basta nem adianta a ninguém conhecer a Deus em glória e majestade se não o conhece também na humildade e ignomínia da cruz. (...) Portanto, no Cristo crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus.

23) A lei provoca a ira de Deus, mata, maldiz, acusa, julga e condena tudo o que não está em Cristo.
24) Não obstante, aquela sabedoria não é má, nem se deve fugir da lei; sem a teologia da cruz, porém, o ser humano faz péssimo uso daquilo que há de melhor.
25) Justo não é quem pratica muitas obras, mas quem, sem obra, muito crê em Cristo.
“(...) a justiça de Deus não é adquirida através de atos freqüentemente repetidos (...) Pois o justo vive a partir da fé (Rm. 1.17). Daí quero que a expressão “sem obras” seja entendida não no sentido de que o justo nada opere, mas no sentido de que as suas obras não fazem a sua justiça; antes, é a sua justiça que faz as obras.”
26) A lei diz: “Faz isto”, mas nunca é feito; a graça diz: “Crê neste”, e já está tudo feito.
“(...) é a fé que justifica, sendo que a lei, diz o B. Agostinho, preceitua o que a fé efetua. Assim, pois, pela fé Cristo está em nós, sim, é uno conosco. Mas Cristo é justo e cumpre todos os mandamentos de Deus, razão pela qual também nós cumprimos todos eles através de Cristo, uma vez que ele se tornou nosso pela fé.”
27) Poder-se-ia dizer, com razão, que a obra de Cristo é a que opera e que a nossa é a operada, e, por conseguinte, que a obra operada agrada a Deus pela graça da obra operante.
“Pois na medida em que Cristo habita em nós pela fé, ele nos move às obras por aquela fé viva em suas obras. As obras que ele mesmo faz são cumprimento dos mandamentos de Deus, a nós concedida pela fé.”
28) O amor de Deus não acha, mas cria aquilo que lhe agrada; o amor do ser humano surge a partir do objeto que lhe agrada.
“A primeira parte é evidente, porque o amor de Deus, vivendo no ser humano, ama pecadores, maus, tolos, fracos, para torná-los justos, bons, sábios e fortes; assim, antes, derrama e proporciona o bem. Pois os pecadores são belos por serem amados, e não são amados por serem belos.”

Por fim, tomando o “somente Cristo” como referência, podemos pensar em pelo menos três aplicações. A primeira é que Jesus é o nosso único Salvador e Senhor. Isso implica na exclusividade da salvação em Cristo, em uma sociedade cada vez mais pluralista, e na exclusividade do senhorio de Cristo, em uma sociedade cada vez mais autônoma. A segunda aplicação é que a cruz de Cristo é o ponto de partida para a nossa espiritualidade. Ela nos convida não apenas ao exercício da contemplação como também ao exercício da meditação. A terceira aplicação é que o solus Christus (somente Cristo) está relacionado ao corpus Christi (corpo de Cristo). Uma vez que a Igreja é o corpo do qual Cristo é o cabeça, Cristo e a Igreja não podem ser separados. Ou seja, quem tem comunhão com Cristo, que é o cabeça, tem também comunhão com a Igreja, que é o seu corpo. Esta última aplicação reveste-se de importância ainda maior no contexto onde alguns dizem: “Cristo sim, Igreja não!”.

Comemoremos a Reforma Protestante! Reafirmemos o somente Cristo!

Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Superando os obstáculos a uma vida de serviço

Ao longo da viagem da Galiléia à Judéia, Jesus faz três predições da cruz. Depois da terceira, Tiago e João perguntam-lhe sobre o trono. Eles querem assentar um à sua direita e outro à sua esquerda. Mais uma vez, os discípulos demonstram incompreensão sobre quem é Jesus e sobre qual é a sua missão. Tiago e João interpretam o Reino de Deus com as categorias dos reinos deste mundo. Mas, no Reino de Deus, o mais importante e o primeiro é aquele que é servo e escravo de todos. Para vivermos como servos e escravos de todos, precisamos superar pelo menos três obstáculos.
O primeiro obstáculo é a busca por prestígio. Tiago e João aproximam-se de Jesus com a seguinte declaração: “Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir.”. Com essa declaração, eles querem garantir a resposta positiva antes mesmo de fazer a pergunta. Sem dizer “sim” ou “não”, Jesus pergunta: “O que vocês querem que eu lhes faça?”. Eles respondem: “Permite que na tua glória, nos assentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.”. Tiago e João estão em busca de prestígio. Eles querem um lugar de exaltação, porém, Jesus está indo para um lugar de humilhação. Logo, o primeiro obstáculo à vida de serviço é a busca por prestígio. Todos nós precisamos superar este obstáculo. Para tal, precisamos sondar o nosso coração, dar atenção devida à palavra de Jesus e preferir a auto-humilhação à auto-exaltação.
O segundo obstáculo é a busca por primazia. O texto segue e Jesus diz a Tiago e a João: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo que eu estou sendo batizado?”. O cálice que Jesus está bebendo é o da ira de Deus sobre ele por causa dos pecados da humanidade. Neste contexto, o símbolo do batismo é semelhante ao símbolo do cálice. Assim, o que Jesus está perguntando a Tiago e a João é se eles podem compartilhar do seu destino: sofrimento e morte. Surpreendentemente, eles respondem: “Podemos”. Sem questioná-los, Jesus afirma: “Vocês beberão o cálice que eu estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados.”. Em certo sentido, não no substitutivo e no propiciatório, Tiago e João compartilham o destino de Jesus: sofrimento e morte. Tiago é assassinado a mando de Herodes em 44 d.C. e João é perseguido a mando de Domiciano em cerca de 95 d.C..
Ouvindo esta conversa de Tiago e João com Jesus, os outros dez discípulos ficam indignados. Isso porque eles também querem o mesmo prestigio que Tiago e João requisitaram. Todos eles são discípulos que buscam a primazia. Todos eles querem os primeiros lugares. Assim sendo, o segundo obstáculo à vida de serviço é a busca por primazia. Todos nós precisamos superar também este obstáculo. Para tal, precisamos assumir a possibilidade do sofrimento, fazer cessar as comparações no nosso coração e procurar os últimos lugares ao invés dos primeiros.
O terceiro obstáculo é a busca por poder. Neste momento, Jesus precisa fazer uma intervenção pedagógica. Nessa intervenção, ele compara o modus operandi deste mundo com o modus operandi do Reino de Deus. No modus operandi deste mundo, os governantes das nações as dominam e os importantes exercem poder sobre elas (o imperador Tibério, o governador Herodes, etc.). Aqui, Jesus faz uma declaração chocante: “Não será assim entre vocês”. Ou seja, quem quiser ser discípulo de Jesus não pode pensar e agir com as categorias do modus operandi deste mundo, não pode pensar e agir com as categorias de domínio e de poder. Isso porque o mudus operandi deste mundo é contrário ao modus operandi do Reino de Deus. Neste, Jesus continua, quem quiser tornar-se importante deverá ser servo e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos.      Isto é, o Reino de Deus é um reino de ponta à cabeça. Se neste mundo busca-se poder, no Reino de Deus busca-se serviço.
Tendo apresentado o conteúdo do seu ensino, Jesus agora o exemplifica. Ele diz: “Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.”. É assim que o próprio Jesus resume a sua missão: serviço e dádiva da própria vida. Então, por meio do serviço ele ilustra o modo de vida do discípulo e por meio da entrega da própria vida ele resgata esse discípulo para que este possa viver servindo. Em Jesus está a nossa redenção! Portanto, o terceiro obstáculo à vida de serviço é a busca por poder. Todos nós precisamos superar ainda este obstáculo. Para tal, precisamos abandonar o modus operandi do mundo e assumir, de fato, o modus operandi do Reino de Deus, servir a todos na família, na igreja e na sociedade, e seguir os passos de Jesus, nosso modelo de serviço e doação.
Que assim seja!
Luiz Felipe Xavier.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Há esperança!

Jesus decide ir para Jerusalém. Mas antes de rumar à capital, ouve a confissão de Pedro: “Tu és o Cristo”. Ouvindo essa confissão, Jesus faz a sua primeira predição da cruz. O Filho do homem vai sofrer, vai ser rejeitado, vai ser morto e vai ressuscitar. Logo, quem quiser ser seu discípulo precisa estar consciente do preço embutido em tal decisão. O discípulo deve negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir Jesus. É exatamente neste contexto que acontece a chamada transfiguração. A visão de Jesus transfigurado no presente é uma prévia da visão de Jesus glorificado no futuro. Assim, há esperança! A transfiguração de Jesus é fonte de esperança para todos aqueles que são seus discípulos. Em Marcos 9:1-13, essa esperança possui três fundamentos.
O primeiro fundamento da esperança é a glória de Jesus. Seis dias depois da confissão em Cesaréia de Filipe, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João, e os leva a um alto monte, onde ficam a sós. Por que Jesus escolhe estes três e não outros? Provavelmente porque Pedro, Tiago e João são os que têm mais dificuldade de discernir quem é Jesus e qual é a sua missão. Ali, no alto do monte, Jesus é transfigurado diante deles. Suas roupas ficam brancas. Na verdade, ficam resplandecentes. Elias e Moisés aparecem diante deles. Elias, representando os profetas, e Moisés, representando a lei. Ambos representam a antiga aliança. Além disso, a presença de Elias e de Moisés tem um significado escatológico. Ambos eram esperados antes do fim.
A glória de Jesus na transfiguração aponta-nos a plenitude futura do Reino de Deus. Apesar do caos que experimentamos no mundo, um dia tudo será segundo a vontade de Deus. Imagine um tempo quando o amor vencerá o ódio; quando o bem vencerá o mal; quando a justiça vencerá a injustiça; quando a paz vencerá a guerra; quando a alegria vencerá a tristeza; quando tudo for exatamente como o nosso Deus deseja. Esta convicção é capaz de encher o nosso coração de esperança. E enquanto o Reino de Deus ainda não é pleno, nós fazemos o que está ao nosso alcance para expandi-lo. Nós sinalizamos amor, bem, justiça, paz, alegria, etc..
O segundo fundamento da esperança é a palavra de Jesus. Enquanto acontece a transfiguração, Pedro diz a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui.”. Era tão bom estarem ali que Pedro sugere a construção de três tendas: uma para Jesus, uma para Moisés e outra para Elias. Pedro faz essa sugestão porque ele não sabia o que dizer, pois eles estavam apavorados. Comentando este texto, José Antônio Pagola afirma: “Pedro não entendeu nada. Por um lado, coloca Jesus no mesmo plano e no mesmo nível de Elias e Moisés: a cada um sua tenda. Por outro lado, continua resistindo à dureza do caminho de Jesus; quer retê-lo na glória do [monte] Tabor, longe da paixão e da cruz do [monte] Calvário.”. A seguir, uma nuvem os envolve e o Pai vem corrigir Pedro. Da nuvem sai uma voz: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no!”. Aqui se encontra o clímax da narrativa. Se, antes, Elias e Moisés davam testemunho de Jesus, agora, o próprio Pai o faz. Pedro, Tiago e João devem ouvir as palavras de Jesus sobre quem ele era e sobre qual era a sua missão. Além disso, eles devem ouvir as palavras sobre negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir Jesus. De repente, quando Pedro, Tiago e João olham ao redor não vêem mais ninguém, a não ser Jesus.
O testemunho do Pai sobre quem é Jesus impõe-nos a obediência presente à sua palavra. Sobre isso, José Antônio Pagola declara: “Para ser cristão, o mais decisivo não é em que coisas uma pessoa crê, mas que relação ela vive com Jesus.”. A nossa relação com Jesus é diretamente relacionada à nossa submissão a ele. Assim sendo, um bom exercício é o de reler os Evangelhos destacando as palavras de Jesus que precisamos ouvir e obedecer.
O terceiro fundamento da esperança é a ressurreição de Jesus. Na descida do monte, Jesus ordena a Pedro, Tiago e João que não contem nada a ninguém. Ou seja, a experiência que tiveram deve ser guardada em segredo. Esse segredo tem prazo: eles não podem contar nada a ninguém até que Jesus, o Filho do homem, ressuscite dos mortos. Entre si, Pedro, Tiago e João discutem o significado da ressurreição. Tendo discutido, eles perguntam a Jesus: “Por que os mestres da lei dizem que é necessário que Elias venha primeiro?”. Inacreditavelmente, eles ainda parecem considerar o ensino dos mestres da lei ao invés de considerar o ensino de Jesus. Pacientemente, Jesus responde que Elias deve vir primeiro e que ele já veio. Isso porque João Batista foi um profeta semelhante a Elias; ambos chamaram o povo de Deus ao arrependimento. João Batista veio e fizeram com ele o que quiseram. Assim como Elias foi perseguido por Acabe e Jezabel, João Batista foi perseguido por Herodes e Herodias. E assim como João Batista foi perseguido e morto, Jesus também será perseguido e morto. Jesus morrerá e ressuscitará.
A realidade passada da ressurreição de Jesus encoraja-nos a enfrentar tempos difíceis. Jesus não nos prometeu tempos fáceis. A única promessa que temos é a de que os tempos difíceis não durarão para sempre. Isso porque Jesus ressuscitou dos mortos. Na ressurreição de Jesus, a vida venceu a morte. Isto é, a morte morreu. Então, a morte e as realidades de morte não têm mais a palavra final. A palavra final quem tem é Jesus, aquele que venceu a morte. Portanto, há esperança!
Por fim, este texto nos convida a três olhares: no passado, contemplamos a ressurreição de Jesus; no presente, contemplamos a palavra de Jesus; no futuro, contemplamos a glória de Jesus. Nesses três olhares estão os fundamentos da nossa esperança. Que assim seja!
Luiz Felipe Xavier.

Dedico este texto ao meu querido tio George César Almeida Xavier. Ele nos deixou cedo demais.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Pior cego é aquele que acha que vê

O Evangelho de Marcos nos apresenta uma série de quatro milagres sobre “ouvir” e “ver”. O primeiro é a cura de um surdo e gago; o segundo é a cura de um cego em duas etapas – diga-se de passagem, o único milagre nos Evangelhos que acontece em etapas; o terceiro é a cura de um endemoninhado surdo e mudo; e o quarto é a cura do cego Bartimeu. Como todo texto bíblico, a narrativa da cura do cego em duas etapas (8:22-26) precisa ser lida à luz do seu contexto imediatamente anterior, que trata da cegueira dos discípulos de Jesus (8:14-21). Embora estes já vejam mais do que os líderes religiosos de Israel, eles ainda não vêem tudo claramente. Logo, a narrativa da cura do cego em duas etapas pode ser lida a partir do fato em si, a restauração física, e a partir do que o fato simboliza, a restauração espiritual. Isso porque Jesus é o Messias que restaura tanto a visão física quanto a visão espiritual. Tomando como referência essa narrativa, constatamos que o processo de restauração dessas visões se dá em três etapas.
A primeira etapa é a da cegueira total. Marcos diz que Jesus e os discípulos vão para Betsaida, uma aldeia de pescadores na margem norte do Lago da Galiléia, a leste da foz do Jordão. Ali, algumas pessoas levam um homem cego e pedem a Jesus que o toque. Esse homem é alguém que se sente amaldiçoado por Deus e excluído da vida religiosa. Mas Jesus o toma pela mão e o leva para fora do povoado. Aqui, chama a atenção o fato de que a condição inicial desse homem simboliza a condição inicial dos discípulos: cegueira total. O que os discípulos não viam? Eles não viam que Jesus acolhe pecadores por graça, não por méritos. Marcos deixa claro que Jesus acolhe graciosamente os “amaldiçoados” e excluídos da vida religiosa e nos chama a fazer o mesmo. Como igreja de Jesus, precisamos estar de braços abertos. Mais do que isso, precisamos dar o braço e caminhar com aqueles “amaldiçoados” e excluídos que nos são trazidos.
A segunda etapa é a da visão parcial. Fora do povoado, Jesus cospe nos olhos do homem cego e lhe impõe as mãos. Depois de fazer isso, Jesus lhe pergunta: “Você está vendo alguma coisa?”. O homem levanta os olhos e diz: “Vejo pessoas; elas parecem árvores andando.”. Sua visão ainda está turva. Agora, porém, ele deixa a condição de cegueira total e entra na condição de visão parcial. Aqui, chama a atenção o fato de que a condição intermediária do homem simboliza a condição atual dos discípulos: visão parcial. O que os discípulos vêem parcialmente? Embora já vejam a graça de Jesus, eles ainda não conseguem ver os efeitos danosos da hipocrisia religiosa dos seus dias. No contexto imediatamente anterior, essa hipocrisia é ilustrada pelo chamado “fermento dos fariseus”. Marcos deixa claro também que Jesus se compadece dos que sofrem e nos chama a fazer o mesmo. Nós nos compadecemos dos que sofrem quando o seu sofrimento nos afeta e nos leva à ação em seu favor.
A terceira e última etapa é a da visão total. Mais uma vez, Jesus coloca as mãos sobre os olhos do homem. Desta vez, seus olhos são abertos totalmente. O milagre se consuma, sua vista é restaurada e ele vê tudo claramente. O que está acontecendo aqui é o cumprimento das profecias messiânicas. Tomemos como exemplo a profecia de Isaías 42:6-7,16: “Eu, o Senhor, o chamei para a justiça; segurarei firme a sua mão. Eu o guardarei e farei de você um mediador para o povo e uma luz para os gentios, para abrir os olhos aos cegos, para libertar da prisão os cativos e para livrar do calabouço os que habitam na escuridão. (...) Conduzirei os cegos por caminhos que eles não conheceram, por veredas desconhecidas eu os guiarei; transformarei as trevas em luz diante deles e tornarei retos os lugares acidentados.”. O tão esperado Messias dos judeus e dos gentios chegou! A prova disso é que os cegos estão vendo. Jesus cura o homem cego e o manda para casa, dizendo: “Não entre no povoado!”. Aqui, chama a atenção o fato de que a condição final do homem simboliza a condição final que Jesus espera dos discípulos: visão total. O que os discípulos precisam ver totalmente? Eles precisam ver que Jesus é o Messias tanto dos judeus quanto dos gentios. Marcos deixa claro ainda que Jesus restaura completamente os desafortunados e nos chama a fazer o mesmo. Para a glória do Pai, em nome de Jesus e no poder do Espírito Santo, nós podemos ser instrumentos de transformação de vidas e de realidades. Para tal, faremos bem em começar com as pequenas demandas que nos são trazidas. De uma coisa podemos ter certeza: uma vez que Jesus entrou na História, não há história que não possa ser transformada por ele.
Que Deus, por sua graça, nos ajude a ver claramente!
Luiz Felipe Xavier.

terça-feira, 14 de março de 2017

Religiosidade morta ou espiritualidade viva?

Jesus foi alguém muito questionado pelos líderes religiosos do seu tempo. Ao longo do Evangelho de Marcos, isso acontece várias vezes. Jesus perdoa pecados e o questionamento é: ele tem poder para isso? Jesus come com publicanos e pecadores, e o questionamento é: ele toma as refeições com qualquer um? Jesus desencoraja temporariamente o jejum e o questionamento é: os seus discípulos não jejuam? Jesus aparentemente quebra o sábado e o questionamento é: os seus discípulos e ele fazem o que é proibido no sétimo dia? Jesus expulsa demônios e o questionamento é: ele está possuído por Belzebu? Em Marcos 7:1-23, os discípulos de Jesus comem sem lavar as mãos e o questionamento é: eles são impuros por isso? Tomando como base este texto, podemos afirmar que os discípulos de Jesus são aqueles que rompem com uma religiosidade morta e assumem uma espiritualidade viva. Eles são aqueles que passam por três profundas transformações.
Na primeira transformação, os discípulos passam da tradição religiosa ao exemplo de Cristo. Marcos começa a sua narrativa descrevendo um flagrante: os fariseus e os mestres da lei aproximam-se de Jesus e observam que seus discípulos comem sem lavar as mãos. Os mestres da lei ou escribas são aqueles que interpretam e aplicam a lei escrita de Moisés. Eles têm como referência a tradição oral dos líderes religiosos ou anciãos de Israel. Os fariseus, por sua vez, são aqueles que vivem de acordo com o ensino desses mestres da lei. Diz o texto que os fariseus e os mestres da lei flagram os discípulos de Jesus comendo sem lavar as mãos. Como Marcos está escrevendo a leitores gentios, ele explica-lhes a tradição oral dos líderes religiosos de Israel: antes de comer, é necessário lavar as mãos cerimonialmente. Além disso, é necessário se lavar ao chegar da rua, e lavar copos, jarros e vasilhas de metal. Logo, esses rituais de purificação refletem a convicção de que a fonte do mal é externa, ou seja, as impurezas vêm do contato com pessoas ou coisas impuras.
Tendo explicado a tradição oral dos líderes religiosos de Israel, Marcos apresenta a pergunta dos fariseus e dos mestres da lei a Jesus: “Por que os seus discípulos não vivem de acordo com a tradição dos líderes religiosos, em vez de comerem o alimento com as mãos ‘impuras’?”. Antes de considerarmos a resposta a essa pergunta, observemos que a espiritualidade viva baseia-se no exemplo de Cristo, não na tradição religiosa. Assim, faremos muito bem a nós mesmos e às nossas comunidades se relermos os Evangelhos observando como Cristo viveu a sua vida. Ao que parece, muitos de nós leem estas narrativas procurando saber somente como Cristo garantiu-nos a salvação e poucos de nós as leem procurando saber realmente como Cristo viveu a sua vida. Faremos bem se ampliarmos nossa leitura.
Na segunda transformação, os discípulos passam das regras dos homens aos mandamentos de Deus. Aqui, Jesus responde a pergunta dos fariseus e dos mestres da lei. Ele afirma: “Bem profetizou Isaías acerca de vocês, hipócritas; como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens’. Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições de homens”. Que resposta dura! Primeiro, Jesus chama os fariseus e os mestres de lei de hipócritas. Um hipócrita é um ator, alguém que desempenha um papel. Ele não é, de fato, quem aparenta ser. Depois, Jesus responde aos fariseus e aos mestres da lei com as Escrituras. Citando Isaías 29:13, ele faz uma dupla denúncia. A adoração dos fariseus e dos mestres da lei é vã. Eles honram a Deus com os lábios, mas seu coração está longe dele. E os ensinos dos fariseus e dos mestres da lei são apenas regras ensinadas por homens. Eles negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições humanas.
Tendo respondido a pergunta dos fariseus e dos mestres da lei, Jesus dá um exemplo. Nesse exemplo, os mandamentos de Deus são: “Honra teu pai e tua mãe” – uma ordem; e “Quem amaldiçoar seu pai e sua mãe será executado” – uma sanção. Como os fariseus e os mestres da lei negligenciam esses mandamentos de Deus e se apegam às tradições humanas? Praticando o Corbã. Aqui, Corbã é dedicar ao Senhor uma oferta que deveria ser utilizada para suprir as necessidades dos pais e, tendo feito isso, usar o valor dessa oferta consigo mesmo, sem sofrer a devida sanção por tal atitude perversa. Assim sendo, os fariseus e os mestres da lei negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições humanas. Em contrapartida, a espiritualidade viva orienta-se pelos mandamentos de Deus. Jesus mesmo resumiu todos os mandamentos em apenas dois: ame a Deus e ame ao próximo. O nosso amor a Deus é expresso em obediência a ele e o nosso amor ao próximo é expresso em serviço a ele. Amemos!
Na terceira transformação, os discípulos de Jesus passam da limpeza exterior à purificação interior. Dirigindo-se a multidão, Jesus diz: “Ouçam-me todos e entendam isso: Não há nada fora do homem que, nele entrando, possa torná-lo ‘impuro’. Ao contrário, o que sai do homem é que o trona ‘impuro’. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça!”. Na rua, ele conta esta parábola à multidão; em casa, ele a explica aos discípulos. Dessa explicação fica evidente que nada que entre no homem pode torná-lo ‘impuro’. Isso porque o que entra vai para o estômago, não para o coração, sendo depois eliminado. O que sai do homem é que o torna ‘impuro’, pois do interior do homem procede toda sorte de males.
Por fim, Jesus destaca alguns desses males do coração. Entre eles estão maus pensamentos ou imaginações más; imoralidades sexuais ou relações sexuais ilícitas; roubos ou subtrações de algo alheio; homicídios ou assassinatos; adultérios ou relacionamentos extraconjugais; cobiças ou desejos ávidos de ter cada vez mais; maldades ou planos perversos que visam prejudicar alguém; engano ou fraude em benefício próprio; devassidão ou libertinagem; inveja ou vontade de ser ou ter o que o outro é ou tem; calúnia ou difamação; arrogância ou orgulho; e insensatez ou tolice. Jesus afirma que todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’. Portanto, somente a espiritualidade viva possibilita a nossa purificação interior. Essa purificação tem duas dimensões: uma preventiva e outra terapêutica. Preventivamente, nos purificamos pelo constante exercício de guardar o nosso coração. Guardamos o nosso coração quando guardamos as suas portas: nossos olhos e nossos ouvidos. Terapeuticamente, nos purificamos pelo constante exercício de nos lavar no sangue de Jesus. Quando pecamos, é para a cruz que corremos. Ali há toda a provisão de purificação de que necessitamos.
Que Deus nos ajude a desenvolver uma espiritualidade viva, uma espiritualidade que baseia-se no exemplo de Cristo, que orienta-se pelos mandamentos de Deus e que possibilita a uma real purificação interior!
Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Esperança em meio ao sofrimento

Nos capítulos 4 e 5 do Evangelho de Marcos, encontramos quatro milagres de Jesus. Esses milagres são uma “avant-première” (primeira apresentação) do Reino de Deus. No primeiro, Jesus acalma uma tempestade; no segundo, Jesus liberta um endemoninhado; no terceiro, Jesus cura uma mulher; e no quarto, Jesus ressuscita a filha de Jairo. Logo, observemos esses dois últimos milagres da perspectiva de Jairo.
Jesus é expulso da região dos gerasenos e volta de barco para a outra margem do lago. Ali, ele é acolhido por uma grande multidão. No meio dessa grande multidão estão duas pessoas que possuem muitas diferenças e uma semelhança. Um homem e uma mulher. O homem é identificado como Jairo e a mulher nem sequer é identificada. Jairo é o importante dirigente da sinagoga e a mulher é a insignificante excluída da sinagoga. Jairo é rico e a mulher tornara-se pobre. Jairo se aproxima de Jesus pela frente, de maneira extravagante, e a mulher se aproxima de Jesus por trás, de maneira discreta. Mas tanto Jairo quanto a mulher se aproximam de Jesus em sofrimento profundo e em total desesperança. Jairo tem uma filha única, de doze anos, que está morrendo. A mulher, há doze anos, sofre com uma hemorragia incurável. Assim, Jairo e a mulher têm em Jesus sua única e última esperança. Em situações de sofrimento profundo descobrimos que Jesus é a nossa única e última esperança. Nessas situações, precisamos tomar três atitudes.
A primeira atitude é aproximar-se de Jesus. Jairo aproxima-se, vê Jesus, prostra-se aos seus pés e o implora pela cura da sua filha. Jairo é um daqueles que conspiraram contra Jesus para matá-lo. Mas, agora, encontra-se em uma situação de sofrimento profundo. Ele nada pode fazer para salvar a vida da sua própria filha. Assim sendo, humilhado, Jairo decide aproximar-se de Jesus. “Minha filha está morrendo! Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela, para que seja curada e que viva”, Jairo pede a Jesus. Jesus ouve aquele pedido desesperado, não diz nada e vai com Jairo.
Assim como Jairo, em meio ao sofrimento, somos desafiados a aproximarmo-nos de Jesus. À medida que nos aproximamos dele, descobrimos que a humilhação do sofrimento pode trazer uma nova perspectiva sobre nós mesmos, sobre as pessoas e sobre a vida. Descobrimos também que o sofrimento profundo pode ser uma excelente oportunidade para nos aproximarmos de Deus. Descobrimos ainda que o silêncio temporário de Deus pode significar sabedoria ao invés de inoperância.
A segunda atitude é esperar por Jesus. Da beira do lago à casa de Jairo, Jesus é acompanhado pela multidão, que o comprime. No meio dessa multidão está uma mulher que sofre de hemorragia. Ela é impura. Isso porque em Lv. 15:25 está escrito: “Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue por muitos dias fora da sua menstruação normal, ou um fluxo que continue além desse período, ela ficará impura enquanto durar o corrimento, como nos dias da sua menstruação.”. Conforme José Antonio Pagola, os enfermos da Galiléia consideravam o seu mal de um ponto de vista religioso: “Se Deus, o criador da vida, está retirando deles seu espírito vivificador, é sinal de que os está abandonando.”. Essa mulher se sente impura e abandonada, tanto por Deus quanto pela sociedade. Ela gasta tudo o que tem com médicos e só piora. Quando ouve falar de Jesus, ela pensa: “Se eu tão somente tocar em seu manto ficarei curada.”. Então, é exatamente isso que ela faz. No meio da multidão, chega por trás, toca no manto de Jesus e fica imediatamente curada. No mesmo instante, Jesus sente que dele sai poder, vira-se para a multidão e pergunta: “Quem tocou em meu manto?” Os discípulos pensam que essa pergunta é uma piada. Tremendo, a mulher se reaproxima, prostra-se e conta-lhe toda a verdade. Jesus declara: “Filha a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento.”.
Aqui uma pergunta se faz necessária: o que Jairo está fazendo enquanto tudo isso acontece? Ele está esperando por Jesus. Enquanto a mulher curada não cabe em si de alegria, Jairo não cabe em si de aflição. Ele sabe que este “tempo perdido” pode custar a vida da sua filha. Assim como Jairo, em meio ao sofrimento, somos desafiados a esperar por Jesus. À medida que esperamos por ele, descobrimos que não somos os únicos que sofrem neste mundo. Descobrimos também que enquanto esperamos pela ação de Deus em nosso favor, ele permanece conosco. Descobrimos ainda que Deus nunca se atrasa, porém, faz tudo quando quer, como quer e a quem quer.
A terceira atitude é confiar em Jesus. Enquanto Jesus ainda está falando com a mulher, chegam algumas pessoas da casa de Jairo com a notícia que sua filha morreu e que, por isso, ele não precisa mais incomodar o mestre. Jesus, todavia, ignora completamente esta notícia e diz a Jairo: “Não tenha medo; tão somente creia.”. De agora em diante, só Pedro, Tiago e João seguem com Jesus. Eles chegam à casa de Jairo e encontram um alvoroço, com gente chorando e se lamentando em alta voz. Ao entrar na casa, Jesus faz uma pergunta provocante e uma afirmação chocante: “Por que todo este alvoroço e lamento? A criança não está morta, mas dorme.”. Ouvindo isso, aqueles que choravam começam a rir de Jesus. Jesus os expulsa da casa, toma consigo o pai e a mãe da criança, e os três discípulos que estavam com ele, e entra no lugar onde o corpo da menina fora colocado. Ali, Jesus a toma pela mão e declara: “Talita cumi!”, que significa “menina, eu lhe ordeno, levante-se!”. Ele usa a mesma expressão que uma mãe usa para acordar sua filha de manhã: “Menina, está na hora, levante!”. Ao ouvir estas doces palavras de Jesus, a menina se levanta e anda. Por fim, Jesus ordena a todos que não contem nada a ninguém e manda os pais darem comida à menina.
Assim como Jairo, em meio ao sofrimento, somos desafiados a confiar em Jesus. À medida que confiamos nele, descobrimos que enquanto o alívio do nosso sofrimento não chega, o que está ruim pode piorar. Descobrimos também que embora as más notícias afetem as nossas emoções, elas não podem afetar a nossa fé. Descobrimos ainda que o sofrimento faz parte da nossa história, contudo, jamais terá a palavra final.
Que Deus, por sua graça, renove a nossa esperança em meio ao sofrimento!

Luiz Felipe Xavier.