sábado, 23 de julho de 2011

Valeu, Jesus!

Ontem foi meu último dia de trabalho aqui em Lubango, Angola. A experiência missionária foi extremamente significativa. Tudo o que fiz se resume a três em três palavra: pregação, ensino e evangelização.

A pregação aconteceu na Igreja Evangélica da Mapunda. A sede dessa igreja fica no lugar mais pobre que já estive. Terra seca, caminho empoeirado, lixo fétido, rio poluído, casas pequenas e pessoas sujas resumem o que é possível ver ali. A carência é extrema! Aperta o coração, molha os olhos e emudece a voz. Perplexidade e a tristeza são inevitáveis! Mas, é exatamente nesse lugar que Deus plantou uma igreja. Comunidade de gente acolhedora, alegre e piedosa. Comunidade que começa sua celebração dominical dançando e cantando que “esse é um lindo dia!”. Comunidade da esperança.

Através das minhas conversas com o padre Tarcísio, Deus me deu paz quanto à mensagem que eu deveria pregar ali: “O desafio de amar”. Amar os amáveis e amar os não amáveis. Amar incondicionalmente. No caminho em direção à igreja, o pastor Faria nos contou uma triste história de dois homens que foram assassinados após o motorista do carro em que estavam ter atropelado uma criança numa estrada do interior do país. Esse assassinato chocou as igrejas da cidade, especialmente a Igreja Evangélica da Mapunda. Quando ouvi essa história, fiquei ainda mais convicto acerca da mensagem que pregaria.

A celebração começou pontualmente. Apesar do coral entrar cantando e dançando, a liturgia é tradicional. Os avisos são comunicados pelo secretário da igreja. Nesse momento, a palavra foi passada ao Frank, líder da nossa equipe, que nos apresentou. Após os avisos, a igreja tem oportunidade de levar à frente suas contribuições regulares. Tudo é feito com ordem e todos, sem exceção, contribuem. Fantástico! Logo depois, a palavra foi passada a mim. Fiz uma exposição sobre Filemom e, ao final, orei por aqueles têm dificuldades de amar os não amáveis, de perdoar as ofensas que sofrem. O retorno que eu recebi e que alguns da nossa equipe receberam foi que essa mensagem falou profundamente ao coração dos irmãos daquela comunidade, que já estavam cogitando a possibilidade de vingar os dois homens que foram assassinados. Deus é maravilhoso!

O ensino aconteceu no Instituto Superior de Teologia no Lubango (ISTEL). De segunda a sexta, ofereci um curso sobre pregação expositiva das Escrituras. Já no primeiro dia, o diretor me convidou para ser professor no instituto (enquanto a Thaís poderia ser médica do Centro Evangélico de Medicina de Lubango (CEML). Eu disse que oraríamos sobre isso. Esse primeiro dia foi marcado por animação. Os alunos e alunas, líderes em suas igrejas locais, demonstravam muito interesse pela temática. O segundo dia foi marcado por frustração. Os exercícios revelaram as limitações de quase todos. O terceiro dia foi marcado por restauração. Depois de “pisar no freio” e re-planejar as ações, vi as limitações sendo superadas. O quarto dia foi marcado por superação. A repercussão do curso foi tão grande que os alunos regulares do instituto me desafiaram a oferecer o mesmo curso em duas tardes. Topei o desafio! O quinto e último dia foi marcado por realização. Pela manhã, ao ver 5 dos 30 alunos pregando expositivamente as Escrituras, tive aquela gostosa sensação de dever cumprido. A entrega dos certificados de conclusão de curso foi emocionante. À tarde, ao ver a gratidão dos 8 alunos, tive a mesma sensação de dever cumprido. A conclusão do curso intensivo foi gratificante.

A evangelização aconteceu na escolinha de vôlei promovida pela Juliana, integrante da nossa equipe. Durante três tardes, após o treinamento, tive oportunidade de compartilhar a Palavra de Deus com crianças, adolescentes e jovens. Nas duas primeiras tardes, compartilhei a “Parábola do grão de mostarda” e a “Parábola da pérola de grande valor”. Na última tarde, compartilhei o “Evangelho do Reino”. Meu coração se encheu de alegria quando 5 jovens decidiram seguir Jesus. Providencialmente, a Juliana havia trazido 5 Evangelhos de João, que foram entregues a cada um deles. Nós não sabíamos quantos decidiriam seguir Jesus, mas o Pai já sabia.

Hoje foi o nosso último dia em Angola. Com o avião da Mission Aviation Fellowship – que, no Brasil, é Asas do Socorro – Thaís e eu fomos até Caluquembe, uma pequena cidade no interior da Huila. Decolamos do aeroporto de Lubango (asfalto), sobrevoamos alguns pontos turísticos da região (pedras) e pousamos no “aeroporto” de Caluquembe (terra). O objetivo dessa viagem era buscar uma parte da equipe do Dr. Estevão, o médico mais conhecido do país, que estava trabalhando ali. Passamos em Caluquembe, desfrutando da companhia do Gary, o piloto do avião. À noite, já de volta a Lubango, jantamos com o Dú, a Norinha e seus filhos. É na casa desses amigos queridos que estamos hospedados há três dias.

Amanhã, com o nosso coração cheio de alegria e gratidão, partiremos para Windhoek, na Namíbia, onde passaremos o dia. Dali, seguiremos para Johanesburgo, na África do Sul. De lá, retornaremos ao Brasil. Valeu, Jesus!

Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ambigüidades...

Alguns dias se passaram desde que chegamos em Lubango, Angola. O primeiro dia foi de descanso. Depois de uma longa e exaustiva viagem, passamos todo o dia no Centro Seletino de Formação e Espiritualidade, local onde estamos hospedados. Pela manhã, conversei muito com o padre Tarcísio. Ele me deu uma aula sobre a guerra que, durante anos, assolou o país.

Assim como o Brasil, Angola também foi colônia de Portugal. A luta pela independência começa no dia 4 de fevereiro de 1961. Treze anos depois, em 1974, é assinado o Acordo de Alvor, que implica no cessar fogo entre os movimentos de libertação e o exército português. Um ano depois, em 11 de novembro de 1975, a independência é proclamada. No entanto, um pouco antes disso, os movimentos de libertação começam a se enfrentar mutuamente. Depois de um período de intrigas, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) expulsa a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional de Independência Total de Angola) de Luanda. Vale ressaltar que o MPLA é apoiado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e por Cuba, a UNITA pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América e a FNLA pelo Congo Democrático. É exatamente depois dessas expulsões que começa a disputa pelo poder e a proclamação da independência de Angola em três lugares diferentes. O MPLA proclama a independência na capital Luanda, a FNLA em M’banza Congo, e a UNITA em Huambo. O resultado é uma tríplice divisão do país. Com o avançar da guerrilha, o MPLA empurra a UNITA para o sul e vê parte dos generais da FNLA se rendendo. A história avança até que, em 1991, acontece o Acordo de Bicesse, entre MPLA e UNITA. Um ano depois, em setembro de 1992, acontecem as primeiras eleições democráticas em Angola. O MPLA ganha as legislativas e as presidenciais vão para o segundo turno. Mas, a UNITA não reconhece a vitória legislativa do MPLA e volta à guerra. Nessa altura, o MPLA estava nas cidades, ao passo que a UNITA estava nas matas do interior do país. A guerra segue até 2002, quando o presidente da UNITA é morto e o Acordo de Paz de Luena é assinado. Com o fim da guerra, a FAA (Forças Armadas Angolas), criada após as primeiras eleições de 1992, passa a ser composta pela FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, do MPLA), pela FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola, da UNITA) e pelo ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola, do FNLA). Somente em 2008 novas eleições acontecem. O Pe. Tarcísio pensa que, do ponto de vista econômico, Angola estaria melhor se a independência não tivesse sido proclamada. Porém, do ponto de vista político, ainda não haveria liberdade. Logo, o ideal seria que após a independência a guerra não tivesse ocorrido.

O segundo dia foi de contatos. Através de uma carona, consegui chegar ao Instituto Superior de Teologia no Lubango (ISTEL), local onde ensinarei sobre pregação expositiva das Escrituras. No ISTEL, conversei com o diretor Avelino, angolano, e com o professor Nico, holandês. Com o primeiro, aprendi que os angolanos precisam saber o custo de tudo, pois só dessa maneira valorizam o que têm. Mesmo que para eles algo não custe nada, eles precisam saber quanto custou para aqueles lhes estão doando. Uma vez que os recursos dos primeiros missionários, que davam e não informavam o custo, estão cada vez mais escassos, a sustentabilidade da escola e o desenvolvimento dos alunos dependem da formação de uma nova mentalidade. Essa nova mentalidade passa pela informação sobre o custo de tudo. Quantos paralelos com os brasileiros! Com o segundo, aprendi como está a situação geral da igreja em Angola. É igreja que cresce em número (mesmo que, às vezes, diminua com a mesma rapidez que cresceu); que enfrenta a realidade da feitiçaria (ora com, ora sem discernimento); que é homogênea (com raras exceções, uma comunidade local é muito parecida com a outra). Todavia, é igreja que não tem sólida fundamentação bíblico-teológica (a maioria só lê a Bíblia na celebração dominical); que não valoriza seus pastores (a maioria acha que o pastor só serve para administrar a Ceia do Senhor e os batismos); que não pratica Missão Holística ou Integral (a maioria vive na pobreza e nada faz para mudar tal realidade). Mais uma vez, quantos paralelos com a igreja no Brasil! Dois outros aspectos me chamaram a atenção durante a conversa com o pastor Nico: ele se identifica com a Teologia Reformada e pratica o discipulado ou tutoria dos alunos, o que é muito bom!

A estrutura do ISTEL é excelente! O terreno é amplo, existem dois grandes prédios (uma para as aulas e outro para administração), um prédio com quatro apartamentos para quatro professores e seus familiares, uma casa para outro professor, uma casa onde funciona a Rádio Trans Mundial (RTM), várias casas para os alunos que estudam no regime de internato e uma ótima biblioteca. Por falar em biblioteca, essa foi uma grata surpresa. Nela tem-se acesso a mais de seis mil títulos (parte em inglês, herança dos primeiros missionários, parte em português, comprados, principalmente, das editoras brasileiras). É possível encontrar, praticamente, tudo que é necessário para formar teólogos, pastores e líderes para as igrejas de Angola.

À tarde, visitamos um dos cartões postais de Lubango: a Tundavala (veja a foto). A estrada que conduz até lá é repleta de atrativos. Dentre eles destacam-se uma bela represa, de onde vem a energia elétrica que abastece a cidade, e grandes pedras, umas sobre as outras. A Tundavala é maravilhosa! Assim como em outros lugares que já estive, faltam palavras para descrever tamanha beleza!

O terceiro dia foi de pregação. Passamos a manhã e o início da tarde na sede da Igreja Evangélica da Mapunda. Sobre isso, escreverei no próximo post. À tarde, no pôr do sol, visitamos a Serra da Leba. Do alto de uma montanha-mirante, é possível ver um exuberante paredão de pedra (com tom amarelado), uma bela cadeia de montanhas, um extenso vale e uma longa estrada (que serpenteia por entre os montes). A Serra da Leba também é maravilhosa!

Luiz Felipe Xavier.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Primeiras impressões da África...

Saímos do Brasil na quarta feira, dia 13 de julho. De Belo horizonte fomos para São Paulo, de onde seguimos para Johanesburgo, África do Sul. Thaís e eu viajamos naquela que consideramos ser a pior parte do avião, no centro e no meio. Do lado da Thaís, um homem muito gentil, da Cidade do Cabo, que estava voltando para casa. Do meu lado, um engenheiro, de Belo Horizonte, que estava em direção à Namíbia, onde daria manutenção em um navio. Durante a viagem, tudo transcorreu bem. Destaque para a boa comida e para a boa bebida (as melhores que já comemos e bebemos em vôos) e para o péssimo atendimento dos comissários e comissárias da South African Airways.

A nossa chegada em Johanesburgo foi tranqüila. Como não tínhamos que retirar nossa bagagem, passamos pela imigração – onde recebemos um visto de trânsito pelo país – e seguimos para a área de free shop – único lugar possível. Ali, fiquei encantado com uma loja chamada Out of Africa. Como o próprio nome diz, essa loja é só de produtos africanos. O artesanato é maravilhoso! Durante o curto tempo que passamos em Johanesburgo, Thaís disse várias vezes: “Nós temos que conhecer a África do Sul!”. Dali, seguimos para Luanda, Angola.

Durante essa viagem, tudo também transcorreu bem. Da janela, observei e fotografei muito. A paisagem plana, desértica e marrom! Saindo de Johanesburgo, vi muitas casas grandes (algumas com piscinas), carros novos e bairros delimitados. Vi também favelas. Chegando em Luanda vi muitas casas pequenas (quase todas com pedras sobre o telhado de amianto), muitas vans azuis e brancas e muita poeira. Vi também poucas casas grandes. Exceto para Thaís, que foi alvo de muitas perguntas, a imigração em Angola foi rápida. Toda a nossa bagagem chegou bem. De posse de tudo, Deus nos enviou um “anjo” chamado Andrade (foi a Juliana, uma professora de Educação física que integra a nossa equipe, que discerniu que o Andrade era um "anjo"). Ele cuidou de todos os nossos interesses quando tudo nos parecia hostil e ameaçador. Deus é muito bom!

De Luanda, partimos para Lubango, também em Angola. Na pista do aeroporto, antes de embarcar, cada um precisa indicar qual é a sua mala, que segue diretamente para o avião. Gostei muito desse sistema! Apesar de parecer precário, ele é extremamente seguro. A chance de extravio de bagagem é mínima. Outro aspecto curioso é a acomodação das pessoas no avião, que acontece por ordem de chegada. O número do assento, impresso no seu cartão de embarque, não tem utilidade nenhuma. Os primeiros se assentam onde querem; os últimos se assentam onde podem. Thaís e eu encontramos dois lugares juntos, um no meio e outro no corredor. O homem que estava assentado na janela era um militar. Ele conversou comigo durante todo o tempo de vôo. Quando eu lhe disse que só tive oportunidade de conhecer o aeroporto de Luanda, ele comentou: “Não se preocupe, você conheceu o melhor de Luanda!”. Apesar do exagero, essas palavras me pareceram sintomáticas. Talvez ela traduza parte do que pensa as pessoas da maior cidade do país.

Depois de 30 horas de viagem, sendo 13 de vôo, chegamos em Lubango, no fim da tarde de quinta feira. O sol estava se pondo e estávamos exaustos. Fomos recebidos no belo aeroporto da cidade pelo Norman, missionário da Mission Aviation Fellowship – que, no Brasil, é Asas do Socorro – e pelo Fernando, administrador de um hospital – que trata, principalmente, de tuberculosos. Depois de trocar dinheiro, garantir nosso acesso à internet e comprar comida, chegamos ao seminário católico que nos abrigará. O padre Tarcísio é fantástico e a estrutura do local é ótima. Temos água quente, cama confortável e energia elétrica durante uma parte do dia.

Estamos gratos a Deus por ter nos trazido em segurança. Agora, é descansar para começar o trabalho. No coração, a certeza de que servir a Deus, servindo às pessoas é que dá sentido a vida.

Luiz Felipe Xavier.

sábado, 2 de julho de 2011

Deus responde às nossas orações

Thaís e eu estamos a caminho de Angola. Estar a caminho de algum lugar é algo que amamos e estamos sempre. No entanto, dessa vez, é diferente, pois estamos indo em missão.

Até onde entendemos, nenhum de nós tem um chamado missionário para além mar. Ao que parece, nos encontramos no grupo daqueles que são chamados para ficar. Mas, se fomos chamados para ficar, por que estamos indo?

Há dias, estou refletindo sobre essa pergunta...

Tal reflexão me levou ao início de 2004, quando, a pedido do meu pastor, comecei escrever textos sobre missões para o informativo da nossa igreja. Iniciei pelos países lusofônicos (de fala portuguesa). Angola foi o segundo. Eu me lembro que escrevia esses textos em oração. Eu pedia a Deus que tocasse no coração das pessoas e que as despertasse para missões. Eu me lembro também que, em quase todos os países, existia uma necessidade que me chamava à atenção: treinamento de líderes para as igrejas.

Hoje, entendo que Deus está respondendo essas orações. Ele tocou no meu coração e me despertou para missões. Além disso, meu trabalho em Angola será focado no treinamento de líderes para as igrejas.

Se Deus quiser, como médica, Thaís servirá ao Centro Evangélico de Medicina de Lubango e, como professor, eu servirei ao Instituto Superior de Teologia Evangélica no Lubango. Esse serviço se dará em forma de um curso, de curta duração, sobre Pregação Expositiva das Escrituras. Fiquei muito contente ao saber que o mesmo será oferecido a todos os pastores da cidade e não apenas aos alunos regulares do instituto. Todas as aulas serão na parte da manhã. À tarde, servirei numa escolinha de vôlei, onde, após cada dia de aula, terei oportunidade de proclamar o Evangelho aos alunos.

Depois dessa reflexão, tiro algumas conclusões...

Primeira, que Deus responde às nossas orações. Segunda, que nós podemos ser a resposta das nossas próprias orações. Terceira, que Deus pode tocar em nossos corações e nos despertar para missões. No nosso caso, tudo aconteceu de forma muito natural. Não ouvimos audivelmente a voz de Deus e nem vimos um anjo enviado da parte dele dizendo: “Servos meus, eis que, no próximo mês de julho, eu vos envio à Angola.”. Nada disso aconteceu! Nós apenas recebemos um convite, oramos e aceitamos. Simples assim!

Por fim, já gratos, pedimos a Deus que nos leve e nos traga em segurança. Pedimos também que ele abençoe muitas pessoas através das nossas vidas. Pedimos ainda que ele desperte pessoas para orar por nós. Como ele é bom e responde às orações, ele fará tudo isso se essa for a sua vontade.

Luiz Felipe Xavier.