quarta-feira, 30 de maio de 2018

Evitando as contendas

Desde o período que antecedeu as últimas eleições presidenciais, a polarização política no Brasil se acirra cada dia mais. De um lado pessoas de esquerda e do outro lado pessoas de direita. Como, em certa medida, a igreja reflete a sociedade na qual ela está inserida, de um lado temos irmãos de esquerda e do outro lado temos irmãos de direita. Diante deste cenário, algumas perguntas pastorais: Como cuidar de pessoas que estão em polos tão antagônicos no espectro político? Como ensiná-las que acima de suas ideologias, sejam elas quais forem, deve estar o Reino de Deus e a sua justiça? Como ajudá-las a se amarem ao invés de se odiarem? E mais: Como obedecer a ordem do apóstolo Paulo que, escrevendo aos Efésios, roga: “Façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” (4:3)?
Na tentativa de responder essas perguntas, consideremos as palavras do mesmo Paulo, desta vez, escrevendo aos coríntios. Embora as razões das contendas naquela igreja sejam diferentes das razões das contendas nas nossas igrejas, os princípios ensinados pelo apóstolo são relevantes para hoje. Neste sentido, em 1 Coríntios, há três palavras que são muito importantes. A primeira é hairesis. Essa palavra pode ser traduzida por “escolha pessoal” diante de uma diversidade de opiniões e objetivos. A segunda é eris. Essa palavra pode ser traduzida por “contenda”, “disputa” e “discussão”. A terceira é shisma. Literalmente, essa palavra pode ser traduzida por “rasgo” e, metaforicamente, por “divisão” e “dissensão”. Fenomenologicamente, o que acontece é o seguinte: uma escolha pessoal (hairesis) pode gerar uma contenda (eris) e provocar uma divisão (shisma). Para evitar as contendas é necessário discernir a mentalidade mundana que está por trás delas. Tomando como referência 1 Coríntios 3, essa mentalidade mundana se expressa de três maneiras.
A primeira maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é a criancice (1-4). Paulo começa dizendo que não pode falar aos irmãos como a espirituais, como a pessoas que têm o Espírito Santo, mas como a carnais, como a pessoas que não tem o Espírito Santo. Eles têm o Espírito Santo, porém, agem como se não tivessem. Na verdade, os irmãos são crianças em Cristo. Ao invés de alimento sólido, só podem receber leite. Os irmãos são carnais, são como crianças, porque, de acordo com o contexto, eles não dão ouvidos ao Espírito Santo. O Espírito Santo sonda as coisas profundas de Deus, conhece os pensamentos de Deus e procede de Deus; ele ensina as palavras de Deus, interpreta as verdades espirituais e ajuda a discernir todas as coisas (cf. 1 Co. 2:10b-16a). Logo, só quem dá ouvidos ao Espírito Santo tem a mente de Cristo (cf. 2:16b). Todavia, como a carnalidade ou a criancice dos irmãos se manifesta? Através da rivalidade (zelos) e da contenda (eris). Eles defendem suas escolhas pessoais com tanto ardor que provocam brigas. Os de Paulo querem convencer os de Apolo e os de Apolo querem convencer os de Paulo. O resultado são as contendas. Paulo deixa claro que isso é mundano e carnal; é uma criancice espiritual.
Como podemos superar a criancice hoje? Há duas medidas que precisamos tomar. A primeira é dar ouvidos ao Espírito Santo. Para tal, precisamos parar, nos aquietar, silenciar e ouvir a Palavra revelada. A segunda é parar de tentar convencer os outros das nossas escolhas pessoais. Para tal, precisamos considerar a liberdade de consciência e, se possível, praticar um diálogo entre ouvintes.
A segunda maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é o partidarismo (5-17). Como já visto, o partidarismo na igreja de Corinto se dá entre os de Paulo e os de Apolo. Atacando esse partidarismo, o apóstolo pergunta: Quem é Apolo? Quem é Paulo? Ele mesmo responde: Apenas servos. Apolo e Paulo são servos do Senhor, exercendo seus dons na igreja. Para deixar isso bem claro, o apóstolo lança mão de duas comparações. A primeira comparação é oriunda da agricultura. Paulo planta, Apolo rega, contudo, Deus faz crescer. Deus é infinitamente mais importante do que Paulo e Apolo. Entretanto, porque eles realizam bem o seu trabalho, serão recompensados por Deus. A segunda comparação é oriunda da arquitetura. Paulo lança o alicerce, Apolo constrói sobre esse alicerce, no entanto, o edifício-santuário é de Deus. Fica claro que todos os construtores devem realizar muito bem o seu trabalho. Isso implica em manter o alicerce – que é Jesus Cristo – e em escolher bem os materiais que serão utilizados na construção. No Dia do Senhor, a obra de cada construtor será provada pelo fogo. Assim sendo, a igreja de Corinto é o santuário de Deus onde habita o Espírito Santo. Como esse santuário de Deus é sagrado, quem o destruir será destruído por Deus.
Como podemos superar o partidarismo hoje? Há também duas medidas que precisamos tomar. A primeira é reconhecer que as pessoas são relativas. Para tal, precisamos substituir apreciações ideais por apreciações reais. A segunda é constatar que Deus trabalha no mundo com pessoas relativas. Para tal, precisamos saber que os colaboradores de Deus serão recompensados e responsabilizados, e que os destruidores do trabalho de Deus serão destruídos.
A terceira e última maneira pela qual a mentalidade mundana se expressa é a loucura (18-23). Paulo conclui retomando o contraste entre a sabedoria deste mundo, que é loucura, e a sabedoria de Deus, que é verdadeira sabedoria. Em relação a isso, os irmãos não devem se enganar. A sabedoria deste mundo, que tanto seduz os coríntios, é loucura aos olhos de Deus. Isso porque Deus é mais sábio do que todos os homens sábios e os pensamentos desses homens sábios são inúteis. Então, ao invés de se gloriar em homens, os irmãos devem se gloriar em Deus – o foco deve estar sempre em Deus. Quando isso acontece, é possível desfrutar de tudo o que é bom como graça de Deus e descobrir que há mais riqueza no todo do que nas partes.
Por fim, como podemos superar a loucura hoje? Há ainda duas medidas que precisamos tomar. A primeira é manter o nosso foco sempre em Deus. Para tal, precisamos considerar a grandeza de Deus e a nossa pequenez. Como resultado, todas as demais coisas ao nosso redor ficarão do seu real tamanho. A segunda é desfrutar da riqueza do todo. Para tal, precisamos estar convencidos de que nossa perspectiva sobre a realidade é limitada e de que não temos toda a verdade em nós mesmos. Como resultado, descobriremos que há mais riqueza no todo do que nas partes.
Que Deus, por sua graça, nos ajude a evitar contendas!

Luiz Felipe Xavier.

P.S.: Todos nós podemos ter opiniões pessoais. Todos nós podemos expressar nossas opiniões pessoais. O que nós não podemos fazer é entrar em contendas com os nossos irmãos. Caso isso aconteça, a divisão entre nós será um risco real e iminente.