quarta-feira, 25 de novembro de 2020

BOAS ATITUDES PARA DIAS MAUS

A carta-pregação aos Hebreus possui um conteúdo singular em todo o Novo Testamento. Nela, Jesus é apresentado como o nosso único e último Sumo Sacerdote, um mediador diferente, segundo a ordem de Melquisedeque. Ele é aquele que estabelece uma nova aliança, infinitamente superior à antiga. Sendo assim, aqueles que nele crêem passam a experimentar uma nova vida. Eles são desafiados a tomar boas atitudes, principalmente em dias maus. No fim do capítulo dez, nós encontramos três dessas boas atitudes. 

 

Aproximemo-nos de Deus

 

Levando em consideração quem Cristo é e o que ele fez, o autor chama os irmãos a se aproximar de Deus. Na tradição dos hebreus, a aproximação de Deus era restrita a pouquíssimas pessoas. Além disso, essa experiência poderia ser marcada pelo medo. Mas agora, o caminho à presença de Deus está aberto. Todos e todas que crêem em Jesus podem se aproximar de Deus, sem medo algum. O autor de Hebreus afirma: “temos plena confiança para entrar no Lugar Santíssimo pelo sangue de Jesus” (v. 19). “Assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé” (v. 22). “Apeguemo-nos com firmeza à esperança que professamos, pois aquele que prometeu é fiel.” (v. 23). Como Cristo providenciou a purificação dos pecados, é possível se aproximar de Deus com confiança, com convicção e com firmeza.

Nestes dias maus, aproximemo-nos de Deus! E aqui há um paradoxo: somos chamados a nos aproximar daquele que está sempre perto. Na presença de Deus, tudo em nós chega no seu devido lugar e tudo ao nosso redor fica do seu devido tamanho. Por isso, a sua presença é absolutamente necessária à vida abundante.

 

Encorajemo-nos uns aos outros

 

Tendo orientado a relação dos irmãos com Deus, o autor passa a orientar a relação deles entre si. “E consideremos uns aos outros” (v. 24). Isto é, e percebamos uns aos outros. Percebamos uns aos outros com um propósito muito objetivo: “para nos incentivarmos ao amor e às boas obras” (v. 24). Ou, em outras palavras, para nos incentivarmos ao amor que se traduz em boas obras, em suprir necessidades específicas.Obviamente, para que esta percepção e este incentivo aconteçam, a convivência é necessária. Por isso, o autor diz: “Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns” (v. 25). Aqui, ele é explícito em relação à necessidade e ao desafio da convivência. Em relação à necessidade, não há igreja de verdade sem a reunião dos irmãos e das irmãs. Já em relação ao desafio, apesar das dificuldades que são próprias a toda e qualquer convivência, não podemos desistir da reunião com os irmãos e com as irmãs. Logo, ao invés de se afastar da convivência, os irmãos e as irmãs devem se encontrar com o propósito que já foi mencionado: o encorajamento mútuo. Por isso, o autor afirma: “procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia.” (v. 25).

Nestes dias maus, encorajemo-nos uns aos outros! Para encorajar, é preciso perceber; e para perceber, é preciso convier. Porém, como isso se dá em tempos pandêmicos, em tempos de distanciamento? Através de contatos pelos meios possíveis. Pelos telefonemas, e-mails, mensagens, vídeo-chamadas, etc.. Nas igrejas locais, em especial, pela participação nos pequenos grupos virtuais. Tendo percebido as necessidades específicas, como podemos encorajar nossos irmãos e irmãs? Ou, com qual boa obra podemos demonstrar-lhes o amor de Deus?

 

Perseveremos até o fim

 

Para perseverarem até o fim, os irmãos e as irmãs precisam tomar cuidado com um obstáculo perigoso: o pecado deliberado, o pecado pós-conhecimento da verdade. Isso porque esse pecado é uma evidência clara da inimizade com Deus. Dentre outras coisas, o pecado deliberado pode ter como causa uma noção equivocada da graça de Deus, uma noção que ficou conhecida como “graça barata” – Deus me acolheu como eu estava e não se importa que eu permaneça da mesma forma. Diante disso, uma importante lembrança se faz necessária: “Lembrem-se dos primeiros dias, depois que vocês foram iluminados” (v. 32). Essa lembrança fala tanto da potência quanto da resistência do chamado “primeiro amor”. Nos dias maus, os irmãos e as irmãs foram fortalecidos por Deus e perseveraram. É por isso que, agora, eles se encontram diante de um duplo desafio. Primeiro: “não abram mão da confiança que vocês têm” (v. 35). Isso porque essa confiança será ricamente recompensada. Segundo: “Vocês precisam perseverar” (v. 36). Isso porque, depois de terem realizado a vontade de Deus (santificação), receberão o que ele prometeu. Por fim, o autor conclui declarando: “Nós, porém, não somos dos que retrocedem e são destruídos, mas dos que creem e são salvos.” (v. 39).

Nestes dias maus, perseveremos até o fim! Nós perseveramos na certeza da presença e do fortalecimento do nosso Deus. Assim, nós não podemos abrir mão da confiança que temos. Antes, nós precisamos perseverar. Está difícil? Está! Porém, nós não somos dos que retrocedem, somos dos que crêem. Sigamos!

 

Que Deus, por amor dele mesmo, nos ajude!

 

Luiz Felipe Xavier

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

DEUS, A HUMANIDADE E A PANDEMIA

Neste tempo de pandemia, é comum perguntarmos “o que Deus tem a ver com tudo isso?” ou “quem é responsável pela pandemia, Deus ou a humanidade?”. Há pelo menos dois ensinos que propõem respostas a estas perguntas.

 

No primeiro ensino, Deus é o responsável pela pandemia

 

Recentemente foi publicado um livro intitulado “Coronavírus e Cristo”, do John Piper. O autor parte do pressuposto que tudo o que acontece é desígnio de Deus (determinismo). Logo, ele se refere à pandemia como um tempo de providência agridoce: “[...] providência agridoce. É isso que o coronavírus é.”. Li esta citação para a minha esposa, que me perguntou: “doce para quem?”. Também fiquei me perguntando...

Ao que parece, na origem desse ensino problemático e perturbador está uma compreensão equivocada da soberania de Deus. Isso fica evidente nas palavras de Piper: “Dizer que Deus governa sobre tudo significa que ele é soberano. Sua soberania significa que ele pode fazer, e de fato faz, tudo o que ele decididamente decide fazer.”. Até aqui, tudo bem: Deus pode fazer tudo e faz o que decide. O equívoco está em um acréscimo ou um salto do autor: “[...] tudo acontece porque Deus deseja que aconteça.” (o que ele chama de soberania abrangente e universal). Por trás desse equívoco está o determinismo. Se Deus determina tudo o que acontece, Deus é o responsável último pelo mal, pelo sofrimento e pelo pecado, o que é um grande problema.

Presta atenção no que Piper conclui: “Portanto, o coronavírus foi enviado por Deus. Esta não é uma época para visões sentimentalistas de Deus. É uma época agridoce. E Deus a ordenou. Deus governa sobre ela. Ele a trará ao fim. Nenhuma parte está fora do seu domínio. Vida e morte estão em suas mãos.”. O autor afirma também: “Nenhum vírus se move a não ser pelo plano de Deus. Esta é uma soberania meticulosa.”. Essa soberania é tão meticulosa que Piper ainda diz: “Algumas pessoas serão infectadas com o coronavírus como um julgamento específico de Deus por causa de suas atitudes e ações pecaminosas.”. Por fim, ele declara: “Esta é a mensagem do coronavírus: Pare de confiar em si mesmos e voltem-se para Deus.”.

 

No segundo ensino, a humanidade é responsável pela pandemia.

 

A superação do ensino de que Deus é responsável pela pandemia requer a superação do determinismo. Para superar o determinismo, é necessário considerar um outro atributo de Deus: a onisciência. Aprendi com o meu amigo Ariovaldo Ramos que “a onisciência é o atributo que Deus tem de saber tudo sobre todos e sobre todas as coisas, o tempo todo e a qualquer tempo, sem precisar determinar nada”. Assim, embora haja determinações de Deus, não há determinismo.

Recentemente também foi publicado outro livro intitulado “Deus e a pandemia”, do N. T. Wright. O autor se refere à pandemia como um tempo de lágrimas, portas trancadas e dúvida (certamente, um tempo mais agri do que doce). Mas é exatamente nesse tempo que podemos experimentar Jesus vindo ao nosso encontro.

Para lidar com esse tempo difícil, precisamos re-significar a nossa compreensão de soberania. Também aprendi com o Ari que “a soberania é o atributo de Deus que lhe permite interferir em qualquer tempo e em qualquer situação tendo em vista o seu propósito, a saber, a redenção”. Assim sendo, Deus pode agir quando quiser, onde quiser e como quiser. Ele é soberano. Todavia, ele não age sempre e não é o causador de todas as coisas. Ou seja, há ações humanas que não tem sua causa em Deus. Um exemplo disso é Jeremias 7:31: “Construíram o alto de Tofete no vale de Ben-Hinom, para queimarem em sacrifício os seus filhos e as suas filhas, coisa que nunca ordenei e que jamais me veio à mente.” (repetido em Jr. 32:35).

Então, nós não podemos afirmar, categoricamente, que foi Deus que enviou o coronavírus. Penso ser mais plausível considerar que este foi uma reação do planeta à ação humana abusiva. Uma reação microcósmica: um vírus de origem animal (que, ao que tudo indica, surgiu num mercado, na cidade de Wuhan, na China); um vírus complexo, mutante e de alto contágio. Consequentemente, se assim o for, nós somos os responsáveis pela pandemia do coronavírus.

Já em relação aos deterministas que ensinam que Deus é o responsável, Wright comenta: “‘se esse é o ‘deus’ de vocês’, pensariam muitos dos nossos contemporâneos, e com razão, ‘não queremos nada com ele’. É muito mais apropriado, então, reconhecer que Deus realmente delegou a administração de muitos aspectos do seu mundo aos seres humanos, e que, ao fazê-lo, assumiu o risco de que a humanidade alarme e aflija o seu coração. Só que ele não deixou de responsabilizar os culpados.”. Portanto, a soberania de Deus é sábia, não meticulosa, pois ele concede liberdade real a seres humanos reais e responsáveis.

Aprofundando um pouco mais essa noção de soberania, Wright destaca a pessoa de Jesus. Na sua vida, morte e ressurreição, Jesus expressa a soberania de Deus, sinalizando o seu Reino. Logo, tanto o que Jesus fez quanto o que a sua igreja é chamada a fazer sinalizam o governo ou o reinado de Deus sobre este mundo caótico. Esse governo ou reinando já está presente, mas ainda não em sua plenitude. Assim, o autor diz: “A pessoa de Jesus é a razão pela qual a humanidade deve abandonar a idolatria, a injustiça e toda iniquidade. A cruz é o lugar onde todos os sofrimentos e horrores do mundo foram amontoados e tratados. A ressurreição é o lançamento da nova criação, seu governo salvador sobre a terra – a começar do corpo físico do próprio Jesus.”. Ele continua: “A aplicação é óbvia. Jesus está dizendo: ‘Não haverá mais sinal de advertência após a morte do filho’.”. Assim sendo, é a mensagem do Evangelho que chama as pessoas a Deus, não a do coronavírus.

Já no fim do seu livro, Wright declara: “Parte da resposta à pergunta: ‘onde Deus está na pandemia?’ deve ser: ‘Lá, na linha de frente, sofrendo e morrendo para trazer cura e esperança’.”. Não é exatamente assim que Deus se revela em Cristo? Não é exatamente isso que somos chamados a fazer também? Por fim, o autor afirma: “Deus sempre quis governar seu mundo por meio do ser humano. Faz parte do que significa ser feito à imagem de Deus. Tal propósito foi gloriosamente cumprido no ser humano Jesus; e a forma como a criação finalmente se transformará naquilo que sempre deveria ter sido acontecerá por meio do governo sábio, salvador e restaurador de seres humanos renovados e ressuscitados.”. Ele continua: “Mas o que isso significa na prática, afinal? Significa que, quando o mundo passa por grandes convulsões, seguidores de Jesus são chamados a ser pessoas de oração no lugar em que o mundo está sofrendo.”.

Concluo afirmando que Deus é soberano, sem determinismo e que nós somos livres, com responsabilidade. Neste tempo de pandemia, somos chamados a chorar, a orar e a sinalizar o Reino de Deus. Fazemos isso na esperança de que essa pandemia vai passar.

 

Que Deus nos livre, em breve, dessa provação! Que livre toda a humanidade!

 

Luiz Felipe Xavier.

 

Anteontem (28/09), ultrapassamos a marca de 1 milhão de mortos por Covid-19 no mundo. Destes, mais de 142 mil no Brasil. Lamento por aqueles que perderam a sua vida e oro por aqueles que se encontram enlutados.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ALEGRIA, TRISTEZA E INDIGNAÇÃO

Cheguei na Faculdade Batista de Minas Gerais em agosto de 2007 e saio em agosto de 2020. Juntamente com quase todo o corpo docente da Teologia, fui demitido, ontem.

Sou muito grato a Deus pela caminhada com os meus colegas professores e com os meus queridos alunos. Foi um tempo excelente, que deixará boas lembranças e muitas saudades. A foto acima, em sala de aula, ilustra bem isso.


Alguns têm me perguntado como estou me sentindo neste momento tão difícil. Honestamente, sinto alegria, tristeza e indignação. Alegria pela bela história, tristeza pela repentina ruptura e indignação pela forma como tudo aconteceu. É lamentável constatar que o plano perverso de acabar com o nosso curso presencial de Teologia alcançou êxito.


Saio com a certeza de que cumpri a minha missão, dando o melhor de mim. Durante estes 13 anos de exercício da minha vocação, não apenas dei aula. Vivi aula, como costumo dizer. A intensidade era tanta que, muitas vezes, saía da faculdade quase sem energia, porém, absolutamente realizado.


Peço a Deus que abençoe cada aluno e aluna que tive (alguns se tornaram amigos). Abençoe sua vida, família, igreja e ministério!


Lamento por ter sido impedido de concluir este semestre que iniciamos há algumas semanas. Aos meus últimos alunos ali, todo o meu respeito e toda a minha gratidão. Eu estava cumprindo o que prometi no primeiro dia de aula: estava fazendo o possível para que tivessem o melhor período da vida de vocês. Que pena que não pude continuar! Desejo-lhes tudo de bom. Jamais desistam de uma formação teológica de qualidade. Jamais!


Ah, não poderia deixar de mencionar o nosso encontro de despedida, ontem, pelo Zoom. Foi um daqueles momentos quando o céu parece tocar a terra. Foram duas horas de boas gargalhadas e de muitas lágrimas. Guardarei no coração as generosas palavras de gratidão e de encorajamento de vocês.


E quanto ao futuro? Obviamente, não sei o que acontecerá. Tenho alguns sonhos e alguns planos. Amo a Deus e desejo prosseguir no serviço a ele e ao seu Reino, através do ensino da Teologia. Quero continuar refletindo de maneira bíblica e contextual, como nos ensinam especialmente os nossos mestres latino-americanos. Também quero cada vez mais distância dos fundamentalismos e de toda tentativa de formatação, de uniformização e de encaixotamento.


Agora, quero me recolher por um tempo e discernir a direção para os próximos passos.


Que a luz de Deus brilhe intensamente sobre tudo e sobre todos nós!


Amém!


Luiz Felipe Xavier.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

(Re)começo


É começo
Eu começo

Não começo do começo
Não sei onde isso começou
Começo de onde é possível
Começo da impossibilidade que agitou

Agitação é caos
Caos é sentimento
Sente quem está vivo
Vivo mesmo que sofrendo

Sofrimento é produção
Produção se dá com dor
Quando dói resta o grito
Grito pela ação do Criador

É recomeço
Eu recomeço

Luiz Felipe Xavier