segunda-feira, 8 de julho de 2019

SEGUNDO CONGRESSO NACIONAL DE MIQUEIAS BRASIL - OLHAR RETROSPECTIVO

O Segundo Congresso Nacional de Miqueias Brasil aconteceu entre os dias 24 e 27 de junho de 2019, na cidade de Salvador, Bahia. Irmãos e irmãs de todas as regiões país se reuniram para refletir sobre o seguinte tema: Vim para que tenham vida – a ação da Igreja na construção da vida plena. Esta reflexão se deu em torno de três eixos principais: equidade, espiritualidade e resiliência.

O que segue é um olhar retrospectivo do que vivenciamos ali. Mas, antes, é importante considerar duas limitações e duas observações. A primeira limitação é da presença. O conteúdo abaixo se refere apenas às falas que estive presente. A segunda limitação é da afetação. O que escrevo corresponde à forma como fui afetado pelo que ouvi.

A primeira observação é que, por sua diversidade, estão de fora os conteúdos das várias oficinas. Essas aconteceram no início de cada tarde. E a segunda observação é que, pela dimensão mais testemunhal, também estão de fora os compartilhamentos das ações que sinalizam o Reino de Deus em diversos contextos brasileiros. De modo geral, esses testemunhos encerravam a programação de cada dia, enchendo-nos de gratidão e de encorajamento para o que viria a seguir. Passemos às impressões.

Redescobrimos que a espiritualidade de Jesus de Nazaré se expressa no levantar os caídos nas estradas da vida.

Refletimos que a equidade se faz necessária diante de uma realidade marcada pela injustiça. Ela é uma ação de reparação que nasce do amor de Deus que respiramos e que transpiramos.

Recordamos que “na origem da desigualdade está a propriedade.” (Rousseau). Porém, a realidade da criação de Deus é marcada por igualdade, complementaridade e dignidade. Logo, Deus é o fiel da balança que equilibra as relações humanas. Por isso, a conversão a Cristo é também uma conversão aos despossuídos deste mundo. Todavia, lamentavelmente, a desigualdade é um pecado naturalizado na grande maioria das nossas instituições, sejam elas religiosas ou não.

Ao que parece, as pessoas querem a ideia de fazer algo e não o fazer concreto. Isso nos coloca diante de um desafio: fazer exegese bíblica séria e ter uma prática social coerente.

Relembramos que, em um primeiro momento, os Direitos Humanos enfatizaram a liberdade e as condições necessárias para tal. Dignidade, universalidade, inalienabilidade, indivisibilidade, inter-relacionalidade e interdependência eram suas marcas. Com o passar do tempo, à liberdade foram somadas a igualdade, a fraternidade, a pluralidade (de opinião e de participação) e a dignidade (a vida e a paz).

Apesar da pluralidade do movimento evangélico brasileiro, há pelo menos três discursos que o perpassam: o da prosperidade, o da integralidade e o da integridade (este último, o mais recente).

Reconhecemos que a conjuntura atual é marcada tanto por um capitalismo de vigilância (Zuboff N.) quanto por um populismo autoritário (Demirovic A.). Assim, estamos frente a outro desafio: ensinar sobre redes sociais e mídias digitais,  lembrando sempre que informação não é sinônimo de conhecimento. É assustador saber que, depois do Google, com informações sobre todos os seus usuários, há abordagens específicas direcionadas a todos e a cada um deles.

Hoje, o grande problema é que o capitalismo entende que não dá para atender a todas as pessoas. Assim sendo, é preciso eliminar algumas: as pobres. Para um aprofundamento dessa temática, recomenda-se a leitura de dois livros do professor Dr. Jung Mo Sung: 1) A graça de Deus e a loucura do mundo; 2) Idolatria do dinheiro e Direitos Humanos. Consequentemente, ser pobre passa a ser “crime” e as políticas sociais deixam de existir. Isso nos coloca diante de uma importante questão: quais são as políticas sociais que precisam ser fomentadas pela Igreja? Vale ressaltar que Igreja e Universidade são dois espaços de resistência, de re-existência (uma dimensão alternativa de temporalidade) e de comunidade (um espaço de crítica). Infelizmente, ao que parece, de agora em diante no nosso pais, os Direitos Humanos se restringirão à liberdade individual. É tanto um reducionismo quanto um retrocesso!

Retomamos a vida, a justiça e a liberdade como eixos bíblicos estruturantes. No Magnificat, mais especificamente, fizemos teologia com Maria. Isso se deu a partir de duas dimensões. A primeira dimensão foi teológica. Por graça, Deus, que é, visita quem não é em sua condição de “ninguendade”. O Senhor de Maria é Deus, o Salvador. Ele vai onde ninguém vai. Esse Deus é também Poderoso e Santo. Ele manifesta sua misericórdia na história. Aqui, um detalhe importante: toda teologia é produto do seu espaço e do seu tempo. A segunda dimensão é missiológica. Deus dispersou os arrogantes. O seu imponderável aconteceu em Nazaré da Galiléia. Deus derruba os poderosos e despede de mãos vazias os ricos. Aqui, outro detalhe importante: onde há mais desigualdade social, há mais violência. Então, nas questões atuais do nosso país, a igreja de Jesus deve se posicionar ao lado da justiça e ao lados dos empobrecidos.

Rememoramos que resiliência é um termo da física. Refere-se à capacidade de retorno da matéria ao seu estado inicial, depois de passar por situações extremas. Portanto, de forma simples, resiliente é o que enverga, mas não quebra. Por razões óbvias, só quem lida com situações extremas de tensão e de compressão tem a capacidade de desenvolver resiliência.

Dentre outros, há três textos de Paulo que tratam desta temática. O primeiro é Filipenses 4:11-13. Em Deus que nos fortalece, é possível passar por situações adversas. O segundo é 2 Coríntios 4:8-12. Causas exógenas não podem afetar nossas convicções endógenas. E o terceiro é Romanos 8:35-39. Sobre todas as coisas, as que controlamos e as que não controlamos, somos mais que vencedores. Logo, através dos processos de resiliência que nos ensinam competências e habilidades, o nosso propósito na vida é gerar mais vida. Contudo, é o amor, acima de tudo, não as dificuldades, que nos torna aptos para a vida. Isso porque Deus formou, a queda deformou e a resiliência transforma.

Recobramos a espiritualidade como o mistério da presença divina que abre possibilidades, que traz para a nossa temporalidade outras temporalidades. Essa espiritualidade nos humaniza. Ela é o sopro de Deus sobre nós e em nós.

Nós vivemos em tempo de despertar de espiritualidades. Isso porque não damos conta das realidades que criamos. Assim, discernir o nosso tempo, de angústia, de desesperança e de cansaço, é o nosso desafio. O problema é que nós parecemos estar cansados de nós mesmos.

Ao que tudo indica, a era do humanismo está chegando ao fim. Neste crepúsculo, o capitalismo se transformou na primeira teologia secular global (com suas noções de liberdade, de competição e de mercadoria). Agora, o deus Mercado domestica tudo.

Diante deste cenário, a espiritualidade cristã sofre a realidade e abraça os desesperados. O discípulo de Jesus é aquele ou aquela que discerne tudo espiritualmente para o bem do outro, do próximo. Ou seja, nós discernimos a realidade a partir da dor. O Deus a quem servimos olha, por exemplo, para Oscar e Valéria, mortos na margem do rio, e chora (FOTO). Esse Deus não foge da realidade, da gente e do sofrimento.


Assim sendo, só há uma espiritualidade cristã: a da justiça. Deus se revela no meio da dor, pronuncia sua palavra e traz esperança. Por isso, falar de espiritualidade da justiça é falar de Jesus de Nazaré, de tudo o que ele assume sobre e para si. O nosso Salvador e Senhor bebe dos profetas, e estes sonham e anunciam a justiça. Consequentemente, as Escrituras estão grávidas da justiça de Deus e Jesus é a sua encarnação.

O produto da justiça é o shalom de Deus. É digno de nota que tudo que é bom e belo nas Escrituras fala da justiça. O problema é que parte da igreja de Jesus domesticou as Escrituras. Esses irmãos e irmãs precisam, urgentemente, redescobrir os profetas e sua mensagem da justiça de Deus. Esta redescoberta traz consigo a esperança. Isso porque quando falamos da justiça, nós nos encontramos com o Deus da justiça.

Por fim, genuína indignação e sede de justiça devem tomar o nosso coração. Fomos mais uma vez convidados a assumir Jesus de Nazaré e suas convicções mais profundas. Animados pela ressurreição do corpo de Cristo, podemos seguir adiante contra todas as formas da morte.

Certamente, cada um que esteve ali e tomou nota do que ouviu poderia enriquecer em muito estas impressões. De uma coisa estou certo: nós ouvimos a voz de Deus. Que ele mesmo, pelo poder do seu Espírito, nos conduza à ação!

Luiz Felipe Xavier