quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A SOCIEDADE DO CANSAÇO E A ÚNICA COISA NECESSÁRIA

Ao que parece, estamos vivendo na chamada “Sociedade do Cansaço”. Um dos autores que nos ajudam a entender melhor este novo arranjo social é Byung-Chul Han, coreano radicado na Alemanha, onde ensina Filosofia e Estudos Culturais na universidade de Berlim. Descrevendo um dos aspectos dessa nossa sociedade, ele afirma: “O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica radicalmente a estrutura e economia da atenção. Com isso se fragmenta e destrói a atenção. Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma técnica específica relacionada ao tempo e à atenção, que tem efeitos novamente na estrutura da atenção. A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso.”.
Se Han está certo, o excesso de estímulos, informações e impulsos nos transforma em pessoas desatentas. Além disso, paradoxalmente, a necessidade de desenvolvermos a técnica da multitarefa implica retrocesso. Logo, nós podemos dizer que tanto uma coisa quanto a outra desintegram o nosso ser e adoecem a nossa espiritualidade. Diante dessa constatação, como reagir? Talvez o encontro de Jesus com Marta e com Maria nos apresente ensinamentos preciosos para esse tempo de tanto cansaço em que vivemos. Por isso, hoje, precisamos ouvir novamente as palavras do Mestre.
Lucas inicia a sua narrativa com a seguinte expressão: “Caminhando Jesus e os seus discípulos”. Essa expressão faz referência à viagem em curso da Galiléia à Judéia. Ou seja, Jesus e os seus discípulos estão em direção à Jerusalém. Sem especificar em qual, Lucas diz que Jesus entra em certo povoado. Nesse povoado, uma mulher de nome Marta o recebe. Implicitamente, esta recepção se dá em sua casa. Lucas não informa a duração da estadia de Jesus ali, mas afirma que Marta tem uma irmã chamada Maria. A partir daqui se estabelece o contraste entre as duas.
Na presença de Jesus, Maria tem uma atitude completamente diferente da atitude de Marta. Lucas diz que Maria, sentada aos pés do Senhor, ouvia as palavras dele. Marta, por sua vez, está envolvida em muito serviço. Se Marta é a anfitriã perfeita, Maria é o modelo acabado do discípulo. Diante de Jesus, se Marta sente-se obrigada a agir como uma mulher judia do século I, Maria sente-se absolutamente livre para não fazê-lo, pelo menos neste momento. Esta, sentada aos pés do Senhor, ouve as palavras dele.
Essa atitude de Maria incomoda tanto a Marta que esta se dirige a Jesus. Tendo se aproximado dele, ela pergunta: Senhor, não te importas que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Como se não bastasse, ela continua: Dize-lhe que me ajude! Novamente, Marta está sendo inteiramente coerente com a cultura dos seus dias, uma cultura na qual as mulheres fazem exatamente o que ela está fazendo: cuidar da casa e servir aos homens.
Gentilmente, Jesus responde a Marta, dizendo: “Marta! Marta! Você está preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lc. 10:41-42). Aqui, um detalhe é muito importante. Nos dias de Jesus, o sentar-se para ouvir é a atitude do discípulo homem em relação ao seu mestre homem. À mulher, esta atitude não é permitida. Assim, ao permitir e elogiar a atitude de Maria, Jesus está admitindo e reconhecendo o discipulado tanto de homens quanto de mulheres.
Em síntese, esse encontro com Marta e com Maria acentua especialmente o discipulado e a escuta da palavra de Jesus. Vale ressaltar que este não desqualifica o serviço de Marta, porém, insiste que suas preocupações e angústias podem estar fora de lugar. Isso porque, por um lado, um serviço, como o de Marta, que não presta a suficiente atenção à palavra não tem nenhuma garantia de continuidade efetiva. Por outro lado, estar à escuta da palavra, como Maria, é um bem duradouro que nunca será retirado do verdadeiro discípulo de Jesus.
Portanto, fica evidente que Lucas 10:38-42 é significativo e relevante para os cristãos atuais. Em um mundo marcado pela carência de bons e de belos referenciais, os cristãos de hoje são chamados a reconhecer em Jesus o seu Mestre e a obedecê-lo em tudo. Em um mundo marcado pela agitação e pelo consequente cansaço, os cristãos de hoje também são chamados a humildemente aquietaram-se na presença de Jesus. E, por fim, em um mundo marcado por muitas distrações, os cristãos de hoje são ainda chamados a considerar atentamente as palavras de Jesus e a descobrir que esta é a única coisa realmente necessária nesta vida.

Que assim seja, pela integralidade do nosso ser e pela saúde da nossa espiritualidade!

Luiz Felipe Xavier.