sábado, 17 de novembro de 2018

TRANSFORMANDO INDIFERENÇA EM COMPAIXÃO

Viajando da Galiléia à Judéia, Jesus ensina muitas coisas. Dentre elas, ensina que só há dois modos possíveis de vida: o viver baseado no amor ao Dinheiro (Mamom – um deus fake) ou o viver baseado no amor a Deus. O primeiro modo é marcado por ansiedade, por ganância e, como veremos, por indiferença. O segundo modo é marcado por fé, por generosidade e, como também veremos, por compaixão. A nós, resta a pergunta: Como temos vivido, amando a Deus ou ao Dinheiro? Os discípulos de Jesus são aqueles que vivem baseados no amor a Deus, transformando indiferença em compaixão. Para tal, eles precisam desenvolver três percepções.

A percepção do necessitado

A parábola começa com a descrição dos seus personagens principais: o rico e Lázaro. O rico se veste de púrpura e de linho fino, e vive no luxo todos os dias. Ele é coberto por vestes caríssimas e tem abundância de comida diariamente. O mendigo Lázaro é coberto de chagas e anseia comer o cai da mesa do rico. Ele é coberto por feridas e tem escassez de comida. Três detalhes chamam a atenção na descrição dos personagens. Primeiro, há um portão que separa o rico e Lázaro. Sobre esse texto, José Antonio Pagola comenta: “O olhar penetrante de Jesus está desmascarando a realidade. As classes mais poderosas e os estratos mais miseráveis parecem pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por uma barreira invisível: essa porta que o rico nunca atravessa para aproximar-se de Lázaro.”. Segundo, Lázaro é nomeado, mas o rico não. Em todas as parábolas de Jesus, o único personagem nomeado é Lázaro. O nome “Lázaro” significa “aquele a quem Deus ajuda”. Na parábola, vemos que o significado do nome corresponde à situação vivida pelo personagem. Terceiro, os cães se importam com Lázaro, porém, o rico não. Levando em consideração o contexto da época, Kenneth Bailey sugere que esses cães são os cães de guarda da casa do rico. Eles se alimentam do que cai da mesa do seu dono, Lázaro não. Mais do que isso, eles se importam com Lázaro, seu dono não. Aqui, o que mais nos interessa é que Jesus denuncia a indiferença do rico em relação a Lázaro, o necessitado que diariamente é colocado à sua porta e ele não vê. Logo, como discípulos de Jesus, somos desafiados a perceber o necessitado. Uma vez que vivemos numa espécie de “bolha”, os pobres podem ser para nós invisíveis.

A percepção da morte

A parábola segue e chega o dia em que tanto o rico quanto Lázaro morrem. O mendigo Lázaro morre e é levado pelos anjos para junto de Abraão. O “seio de Abraão” é interpretado como o lugar pós-morte dos justos. Ou seja, estar junto de Abraão é estar em um lugar de bem-aventurança a espera da vindicação eterna. O texto não explica porque Lázaro vai para o “seio de Abraão”; ao que parece, é porque ele confia em Deus e na sua ajuda (uma possível referência ao seu nome). O rico também morre, é sepultado e acha-se no Hades. O Hades é interpretado como o lugar pós-morte dos injustos. Isto é, estar no Hades é estar em um lugar de tormento a espera do juízo final. O texto também não explica porque o rico vai para o Hades; ao que parece, é porque ele confia em si mesmo e nas suas riquezas, e não se importa com o necessitado (uma possível referência à sua ostentação e à sua indiferença). Aqui, o que mais nos interessa é que, depois da morte inevitável, a barreira invisível que separava o rico e Lázaro torna-se um abismo intransponível e definitivo. Assim, como discípulos de Jesus, somos desafiados perceber a morte. Não faz sentido vivermos acumulando e ostentando porque a morte é uma realidade inevitável. Além disso, a vida de acumulação e ostentação é autocentrada (centrada em nós mesmos), ao passo que vida que Jesus nos propõe é altercentrada (centrada no próximo). Quem são os necessitados que estão próximos a nós e como podemos ajudá-los efetivamente?

A percepção da Palavra

A parábola se encerra com um diálogo entre o rico e Abraão. Esse diálogo começa com o rico usando a expressão que é própria dos mendigos: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim (...)’ – nos lembramos da expressão de Bartimeu, o cego mendigo. O rico deseja que Abraão mande Lázaro aliviar parte do seu sofrimento. Em resposta ao rico, Abraão anuncia uma inversão: Durante a vida, o rico recebeu coisas boas e Lázaro recebeu coisas más; agora, Lázaro está sendo consolado e o rico está em sofrimento. Pior do que isso, como já dito, há entre eles um abismo intransponível e definitivo. Em resposta a Abraão, o rico expressa um novo desejo: Ele quer que Abraão mande Lázaro avisar seus irmãos sobre a sua situação para que eles se arrependam e tenham um destino diferente do seu. Notem: Mesmo em sofrimento, a fala do rico tem um tom arrogante e autocentrado. Em resposta ao rico, Abraão é incisivo: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. Tanto Moisés quanto os profetas são claríssimos em relação à compaixão que o povo de Deus deve ter com os necessitados. Por exemplo: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês. (...)” (Lv. 19:9-10). ““O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo. Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? (...)”.” (Is. 58:6-7). Em resposta a Abraão, o rico insiste que se alguém ressuscitasse dos mortos e fosse até eles, eles se arrependeriam. Por fim, em resposta ao rico, Abraão reforça: ‘Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos’. Aqui, o que mais nos interessa é que ouvir a Palavra é sinônimo de obedecer a Palavra. Assim sendo, como discípulos de Jesus, somos desafiados a perceber a Palavra. Essa Palavra que é claríssima: Sejam compassivos com os necessitados. Todavia, a nossa tendência é levantar objeções que justifiquem a nossa desobediência. Em assim fazendo, resta-nos o arrependimento, o discernimento, a sabedoria e a ação.

Que Deus, por sua graça, nos encha de compaixão para com os necessitados!

Luiz Felipe Xavier.