quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ambigüidades...

Alguns dias se passaram desde que chegamos em Lubango, Angola. O primeiro dia foi de descanso. Depois de uma longa e exaustiva viagem, passamos todo o dia no Centro Seletino de Formação e Espiritualidade, local onde estamos hospedados. Pela manhã, conversei muito com o padre Tarcísio. Ele me deu uma aula sobre a guerra que, durante anos, assolou o país.

Assim como o Brasil, Angola também foi colônia de Portugal. A luta pela independência começa no dia 4 de fevereiro de 1961. Treze anos depois, em 1974, é assinado o Acordo de Alvor, que implica no cessar fogo entre os movimentos de libertação e o exército português. Um ano depois, em 11 de novembro de 1975, a independência é proclamada. No entanto, um pouco antes disso, os movimentos de libertação começam a se enfrentar mutuamente. Depois de um período de intrigas, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) expulsa a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional de Independência Total de Angola) de Luanda. Vale ressaltar que o MPLA é apoiado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e por Cuba, a UNITA pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América e a FNLA pelo Congo Democrático. É exatamente depois dessas expulsões que começa a disputa pelo poder e a proclamação da independência de Angola em três lugares diferentes. O MPLA proclama a independência na capital Luanda, a FNLA em M’banza Congo, e a UNITA em Huambo. O resultado é uma tríplice divisão do país. Com o avançar da guerrilha, o MPLA empurra a UNITA para o sul e vê parte dos generais da FNLA se rendendo. A história avança até que, em 1991, acontece o Acordo de Bicesse, entre MPLA e UNITA. Um ano depois, em setembro de 1992, acontecem as primeiras eleições democráticas em Angola. O MPLA ganha as legislativas e as presidenciais vão para o segundo turno. Mas, a UNITA não reconhece a vitória legislativa do MPLA e volta à guerra. Nessa altura, o MPLA estava nas cidades, ao passo que a UNITA estava nas matas do interior do país. A guerra segue até 2002, quando o presidente da UNITA é morto e o Acordo de Paz de Luena é assinado. Com o fim da guerra, a FAA (Forças Armadas Angolas), criada após as primeiras eleições de 1992, passa a ser composta pela FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, do MPLA), pela FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola, da UNITA) e pelo ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola, do FNLA). Somente em 2008 novas eleições acontecem. O Pe. Tarcísio pensa que, do ponto de vista econômico, Angola estaria melhor se a independência não tivesse sido proclamada. Porém, do ponto de vista político, ainda não haveria liberdade. Logo, o ideal seria que após a independência a guerra não tivesse ocorrido.

O segundo dia foi de contatos. Através de uma carona, consegui chegar ao Instituto Superior de Teologia no Lubango (ISTEL), local onde ensinarei sobre pregação expositiva das Escrituras. No ISTEL, conversei com o diretor Avelino, angolano, e com o professor Nico, holandês. Com o primeiro, aprendi que os angolanos precisam saber o custo de tudo, pois só dessa maneira valorizam o que têm. Mesmo que para eles algo não custe nada, eles precisam saber quanto custou para aqueles lhes estão doando. Uma vez que os recursos dos primeiros missionários, que davam e não informavam o custo, estão cada vez mais escassos, a sustentabilidade da escola e o desenvolvimento dos alunos dependem da formação de uma nova mentalidade. Essa nova mentalidade passa pela informação sobre o custo de tudo. Quantos paralelos com os brasileiros! Com o segundo, aprendi como está a situação geral da igreja em Angola. É igreja que cresce em número (mesmo que, às vezes, diminua com a mesma rapidez que cresceu); que enfrenta a realidade da feitiçaria (ora com, ora sem discernimento); que é homogênea (com raras exceções, uma comunidade local é muito parecida com a outra). Todavia, é igreja que não tem sólida fundamentação bíblico-teológica (a maioria só lê a Bíblia na celebração dominical); que não valoriza seus pastores (a maioria acha que o pastor só serve para administrar a Ceia do Senhor e os batismos); que não pratica Missão Holística ou Integral (a maioria vive na pobreza e nada faz para mudar tal realidade). Mais uma vez, quantos paralelos com a igreja no Brasil! Dois outros aspectos me chamaram a atenção durante a conversa com o pastor Nico: ele se identifica com a Teologia Reformada e pratica o discipulado ou tutoria dos alunos, o que é muito bom!

A estrutura do ISTEL é excelente! O terreno é amplo, existem dois grandes prédios (uma para as aulas e outro para administração), um prédio com quatro apartamentos para quatro professores e seus familiares, uma casa para outro professor, uma casa onde funciona a Rádio Trans Mundial (RTM), várias casas para os alunos que estudam no regime de internato e uma ótima biblioteca. Por falar em biblioteca, essa foi uma grata surpresa. Nela tem-se acesso a mais de seis mil títulos (parte em inglês, herança dos primeiros missionários, parte em português, comprados, principalmente, das editoras brasileiras). É possível encontrar, praticamente, tudo que é necessário para formar teólogos, pastores e líderes para as igrejas de Angola.

À tarde, visitamos um dos cartões postais de Lubango: a Tundavala (veja a foto). A estrada que conduz até lá é repleta de atrativos. Dentre eles destacam-se uma bela represa, de onde vem a energia elétrica que abastece a cidade, e grandes pedras, umas sobre as outras. A Tundavala é maravilhosa! Assim como em outros lugares que já estive, faltam palavras para descrever tamanha beleza!

O terceiro dia foi de pregação. Passamos a manhã e o início da tarde na sede da Igreja Evangélica da Mapunda. Sobre isso, escreverei no próximo post. À tarde, no pôr do sol, visitamos a Serra da Leba. Do alto de uma montanha-mirante, é possível ver um exuberante paredão de pedra (com tom amarelado), uma bela cadeia de montanhas, um extenso vale e uma longa estrada (que serpenteia por entre os montes). A Serra da Leba também é maravilhosa!

Luiz Felipe Xavier.

Um comentário:

  1. Adorei a publicação, muito clara , ótima linguagem e com colorido rico de história. A única constatação triste é ver os povos na disputa pelo poder, às custas do sofrimento de inocentes! Com o pretexto de luta pela liberdade, pela independência ( necessária, por certo ) , o que vemos são líderes em busca de poder, financiados por interesses externos e espúrios, pisoteando pessoas oprimidas pela miséria , pela ignorância, pelo obscurantismo e pela cerceamento de direitos essenciais à vida! O que dizer da cegueira espiritual e das potestades da maldade, livres e convidadas a participarem da mesa? Sofremos e gememos , aguardando a Redenção! Que o Pai os abençôe e proteja as suas mentes e seus corações, nesses dias e esse povo sofrido da nossa mãe África.

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