O tema desta primeira reflexão
é o cuidado dos pobres, também chamados “necessitados”, “vulneráveis”, “marginalizados”,
“excluídos”, etc.. Uma leitura atenta das Escrituras Sagradas deixa claro que Deus
deseja que sejamos seus parceiros no cuidado dos pobres. No Antigo Testamento,
este desejo pode ser observado nos três períodos da história do povo de Israel.
Antigo Israel
O período denominado “antigo Israel” vai das
origens à monarquia (reis). Deus cria tudo, especialmente o ser humano: homem e
mulher. A imagem e semelhança confere-lhes dignidade (Gn. 1:26-27) e o “mandato
cultural” confere-lhes responsabilidade (Gn. 1:28). Na sequencia narrativa
encontram-se a queda, o dilúvio, a torre e Abraão – o patriarca.
O tempo dos patriarcas é marcado pelo
seminomadismo e a economia é agropastoril. Nesse tempo não há pobres. A
primeira experiência de pobreza do povo de Israel se dá com a escravidão no
Egito. Aqui há uma importante descoberta: Deus ouve os pobres. É o que está escrito
em Êxodo 2:23-25: “Muito tempo depois, morreu o rei
do Egito. Os israelitas gemiam e clamavam debaixo da escravidão; e o seu clamor
subiu até Deus. Ouviu Deus o lamento deles e lembrou-se da aliança que fizera
com Abraão, Isaque e Jacó. Deus olhou para os israelitas e viu a situação
deles.” (Êx. 2:23-25).
O tempo depois do Êxodo é marcado pelo
sedentarismo e a economia é agrícola. A posse da terra será a base para as
desigualdades posteriores. É nesse tempo que surgem efetivamente os pobres no povo
de Israel. Logo, são necessárias leis sociais que garantam os seus direitos. Há,
basicamente, quatro tipos de leis que relativizam a posse de propriedade, principal
causa desta pobreza: leis contra juros; leis sobre dias e anos de descanso
(Sábado, Ano Sabático e Ano do Jubileu); leis acerca de taxas, dízimos e
ofertas; e outras leis referentes à justiça para os pobres. Dentre estas se destacam:
mandamento que trata do sustento do pobre
– Lv. 19:9-10: “Quando fizerem a colheita da sua
terra, não colham até as extremidades da sua lavoura nem ajuntem as espigas
caídas de sua colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha nem apanhem as
uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou
o Senhor, o Deus de vocês.”; mandamento que trata do cuidado do
estrangeiro – Ex. 23:9: “Não oprima o
estrangeiro. Vocês sabem o que é ser estrangeiro, pois foram estrangeiros no
Egito.”; mandamento
que trata da subsistência e da vida do pobre – Dt. 24:6: “Não tomem as duas pedras de moinho, nem mesmo apenas a pedra de cima,
como garantia de uma dívida, pois isso seria tomar como garantia o meio de
subsistência do devedor.”; e mandamento que trata da imparcialidade nos
tribunais – Ex. 23:6: “Não perverta o direito dos pobres
em seus processos.”.
Monarquia
O período denominado “monarquia” vai da
centralização do poder (reis) ao desterro (cativeiro babilônico). Nesse tempo,
a economia passa a ser predominantemente urbana. Forma-se um exército nacional,
emergem numerosas profissões (ref. à indústria, à construção e ao comércio),
estabelece-se uma burocracia administrativa, aparece a classe dirigente, aumentam
os gastos com o luxo da corte e com o harém dos reis, formam-se os latifúndios,
oprimem-se os trabalhadores, e cobram-se pesados tributos sobre os povos
dominados e sobre o próprio povo de Israel.
Em meio a estes graves problemas
econômico-sociais surge o profetismo. A mensagem dos profetas é caracterizada
pela denúncia do pecado do povo e pelo anúncio do juízo ou do livramento de
Deus. No fundo, ela é um chamado à conversão. Uma das principais denúncias dos
profetas tem relação direta com a extorsão
– Ez. 22:29: “O povo da terra pratica extorsão e comete roubos;
oprime os pobres e os necessitados e maltrata os estrangeiros, negando-lhes
justiça.”; com o roubo – Mq. 2:1-2: “Ai daqueles que planejam maldade, dos que tramam o mal em suas camas!
Quando alvorece, eles o executam, porque isso eles podem fazer. Cobiçam
terrenos e se apoderam deles; cobiçam casas e as tomam. Fazem violência ao
homem e à sua família; a ele e aos seus herdeiros.”; e com a opressão – Am.
5:10-13: “(...) vocês
odeiam aquele que defende a justiça no tribunal e detestam aquele que fala a
verdade. Vocês oprimem o pobre e o forçam a entregar o trigo. Por isso, embora
vocês tenham construído mansões de pedra, nelas não morarão; embora tenham
plantado vinhas verdejantes, não beberão do seu vinho. Pois eu sei quantas são
as suas transgressões e quão grandes são os seus pecados. Vocês oprimem o
justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais.
Por isso o prudente se cala em tais situações, pois é tempo de desgraças.”.
Assim, dentre outras coisas, a conversão é
evidenciada pela busca de justiça para o pobre. Exemplos claros disso estão em
Isaías e em Jeremias: “Lavem-se! Limpem-se! Removam suas
más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o
bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão,
defendam a causa da viúva.”; “O jejum que desejo não é este: soltar as
correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os
oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar
o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao
próximo?” (Is. 1:16-17 e 58:6-7); “Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus
aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada,
sem pagar-lhes o devido salário. Ele diz: ‘Construirei para mim um grande
palácio, com aposentos espaçosos’. Faz amplas janelas, reveste o palácio de
cedro e pinta-o de vermelho. “Você acha que acumular cedro faz de você um rei?
O seu pai não teve comida e bebida? Ele fez o que era justo e certo, e tudo ia
bem com ele. Ele defendeu a causa do pobre e do necessitado, e, assim, tudo
corria bem. Não é isso que significa conhecer-me?”, declara o Senhor . “Mas
você não vê nem pensa noutra coisa além de lucro desonesto, derramar sangue
inocente, opressão e extorsão”.” (Jr. 22:13-17).
Além da busca de justiça para o pobre, a
conversão também é evidenciada pela busca do bem estar da cidade. Jeremias 29:7
ordena isso: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os
deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende
da prosperidade dela.”.
Judaísmo
O período denominado “judaísmo” vai do
desterro (cativeiro babilônico) até os dias de Jesus. Neste tempo, para aqueles
que são exilados e retornam, a economia continua sendo predominantemente, não
exclusivamente, urbana (ref. à indústria e ao comércio). Não há mais reis em
Israel, o povo se encontra sob algum império (persa, grego ou romano) e sob
pesadas cargas tributárias, os judeus ricos – latifundiários – exploram os
judeus pobres – trabalhadores. Neemias 5:1-5 é um quadro deste tempo: “Ora, o povo, homens e mulheres, começou a reclamar muito de seus irmãos
judeus. Alguns diziam: “Nós, nossos filhos e nossas filhas somos numerosos;
precisamos de trigo para comer e continuar vivos”. Outros diziam: “Tivemos que
penhorar nossas terras, nossas vinhas e nossas casas para conseguir trigo para
matar a fome”. E havia ainda outros que diziam: “Tivemos que tomar dinheiro
emprestado para pagar o imposto cobrado sobre as nossas terras e as nossas
vinhas. Apesar de sermos do mesmo sangue dos nossos compatriotas, e de nossos
filhos serem tão bons quanto os deles, ainda assim temos que sujeitar os nossos
filhos e as nossas filhas à escravidão. E, de fato, algumas de nossas filhas já
foram entregues como escravas e não podemos fazer nada, pois as nossas terras e
as nossas vinhas pertencem a outros”.”.
De modo geral, a literatura poética e de
sabedoria apresenta uma reflexão sobre riqueza e pobreza da perspectiva dos
ricos. Porém, o estilo proverbial de grande parte dessa literatura é de origem
popular. Por exemplo: Provérbios 14:21: “Quem despreza o próximo comete
pecado, mas como é feliz quem trata com bondade os necessitados!”; Provérbios
31:8-9: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de
todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos
pobres e dos necessitados.”; Provérbios 30:8b-9: “(...) não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento
necessário. Se não, tendo demais, eu te negaria e te deixaria, e diria: ‘Quem é
o Senhor?’ Se eu ficasse pobre, poderia vir a roubar, desonrando assim o nome
do meu Deus.”.
Que Deus, por sua graça, converta o nosso
coração ao cuidado dos pobres!
Luiz Felipe Xavier.
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