O Segundo
Congresso Nacional de Miqueias Brasil aconteceu entre os dias 24 e 27 de junho
de 2019, na cidade de Salvador, Bahia. Irmãos e irmãs de todas as regiões país
se reuniram para refletir sobre o seguinte tema: Vim para que tenham vida – a ação da Igreja na construção da vida plena.
Esta reflexão se deu em torno de três eixos principais: equidade,
espiritualidade e resiliência.
O que segue é um olhar retrospectivo do que vivenciamos ali.
Mas, antes, é importante considerar duas limitações e duas observações. A
primeira limitação é da presença. O conteúdo abaixo se refere apenas às falas
que estive presente. A segunda limitação é da afetação. O que escrevo
corresponde à forma como fui afetado pelo que ouvi.
A primeira observação é que, por sua diversidade, estão de fora
os conteúdos das várias oficinas. Essas aconteceram no início de cada tarde. E
a segunda observação é que, pela dimensão mais testemunhal, também estão de
fora os compartilhamentos das ações que sinalizam o Reino de Deus em diversos
contextos brasileiros. De modo geral, esses testemunhos encerravam a
programação de cada dia, enchendo-nos de gratidão e de encorajamento para o que
viria a seguir. Passemos às impressões.
Redescobrimos
que a espiritualidade de Jesus de Nazaré se expressa no levantar os caídos nas
estradas da vida.
Refletimos
que a equidade se faz necessária diante de uma realidade marcada pela
injustiça. Ela é uma ação de reparação que nasce do amor de Deus que respiramos
e que transpiramos.
Recordamos
que “na origem da desigualdade está a propriedade.” (Rousseau). Porém, a
realidade da criação de Deus é marcada por igualdade, complementaridade e
dignidade. Logo, Deus é o fiel da balança que equilibra as relações humanas.
Por isso, a conversão a Cristo é também uma conversão aos despossuídos deste
mundo. Todavia, lamentavelmente, a desigualdade é um pecado naturalizado na
grande maioria das nossas instituições, sejam elas religiosas ou não.
Ao que parece, as pessoas querem a ideia de fazer algo e não o
fazer concreto. Isso nos coloca diante de um desafio: fazer exegese bíblica
séria e ter uma prática social coerente.
Relembramos
que, em um primeiro momento, os Direitos Humanos enfatizaram a liberdade e as condições
necessárias para tal. Dignidade, universalidade, inalienabilidade,
indivisibilidade, inter-relacionalidade e interdependência eram suas marcas.
Com o passar do tempo, à liberdade foram somadas a igualdade, a fraternidade, a
pluralidade (de opinião e de participação) e a dignidade (a vida e a paz).
Apesar da pluralidade do movimento evangélico brasileiro, há
pelo menos três discursos que o perpassam: o da prosperidade, o da
integralidade e o da integridade (este último, o mais recente).
Reconhecemos
que a conjuntura atual é marcada tanto por um capitalismo de vigilância (Zuboff
N.) quanto por um populismo autoritário (Demirovic A.). Assim, estamos frente a
outro desafio: ensinar sobre redes sociais e mídias digitais, lembrando sempre que informação não é
sinônimo de conhecimento. É assustador saber que, depois do Google, com
informações sobre todos os seus usuários, há abordagens específicas
direcionadas a todos e a cada um deles.
Hoje, o grande problema é que o capitalismo entende que não dá
para atender a todas as pessoas. Assim sendo, é preciso eliminar algumas: as
pobres. Para um aprofundamento dessa temática, recomenda-se a leitura de dois
livros do professor Dr. Jung Mo Sung: 1) A
graça de Deus e a loucura do mundo; 2) Idolatria
do dinheiro e Direitos Humanos. Consequentemente, ser pobre passa a ser “crime”
e as políticas sociais deixam de existir. Isso nos coloca diante de uma
importante questão: quais são as políticas sociais que precisam ser fomentadas
pela Igreja? Vale ressaltar que Igreja e Universidade são dois espaços de
resistência, de re-existência (uma dimensão alternativa de temporalidade) e de
comunidade (um espaço de crítica). Infelizmente, ao que parece, de agora em
diante no nosso pais, os Direitos Humanos se restringirão à liberdade
individual. É tanto um reducionismo quanto um retrocesso!
Retomamos
a vida, a justiça e a liberdade como eixos bíblicos estruturantes. No Magnificat, mais especificamente,
fizemos teologia com Maria. Isso se deu a partir de duas dimensões. A primeira
dimensão foi teológica. Por graça, Deus, que é, visita quem não é em sua
condição de “ninguendade”. O Senhor de Maria é Deus, o Salvador. Ele vai onde
ninguém vai. Esse Deus é também Poderoso e Santo. Ele manifesta sua
misericórdia na história. Aqui, um detalhe importante: toda teologia é produto
do seu espaço e do seu tempo. A segunda dimensão é missiológica. Deus dispersou
os arrogantes. O seu imponderável aconteceu em Nazaré da Galiléia. Deus derruba
os poderosos e despede de mãos vazias os ricos. Aqui, outro detalhe importante:
onde há mais desigualdade social, há mais violência. Então, nas questões atuais do nosso país, a igreja
de Jesus deve se posicionar ao lado da justiça e ao lados dos empobrecidos.
Rememoramos
que resiliência é um termo da física. Refere-se à capacidade de retorno da
matéria ao seu estado inicial, depois de passar por situações extremas.
Portanto, de forma simples, resiliente é o que enverga, mas não quebra. Por
razões óbvias, só quem lida com situações extremas de tensão e de compressão
tem a capacidade de desenvolver resiliência.
Dentre outros, há três textos de Paulo que tratam desta
temática. O primeiro é Filipenses 4:11-13. Em Deus que nos fortalece, é
possível passar por situações adversas. O segundo é 2 Coríntios 4:8-12. Causas
exógenas não podem afetar nossas convicções endógenas. E o terceiro é Romanos
8:35-39. Sobre todas as coisas, as que controlamos e as que não controlamos,
somos mais que vencedores. Logo, através dos processos de resiliência que nos
ensinam competências e habilidades, o nosso propósito na vida é gerar mais
vida. Contudo, é o amor, acima de tudo, não as dificuldades, que nos torna
aptos para a vida. Isso porque Deus formou, a queda deformou e a resiliência
transforma.
Recobramos
a espiritualidade como o mistério da presença divina que abre possibilidades,
que traz para a nossa temporalidade outras temporalidades. Essa espiritualidade
nos humaniza. Ela é o sopro de Deus sobre nós e em nós.
Nós vivemos em tempo de despertar de espiritualidades. Isso porque
não damos conta das realidades que criamos. Assim, discernir o nosso tempo, de
angústia, de desesperança e de cansaço, é o nosso desafio. O problema é que nós
parecemos estar cansados de nós mesmos.
Ao que tudo indica, a era do humanismo está chegando ao fim. Neste
crepúsculo, o capitalismo se transformou na primeira teologia secular global (com
suas noções de liberdade, de competição e de mercadoria). Agora, o deus Mercado
domestica tudo.
Diante deste cenário, a espiritualidade cristã sofre a realidade
e abraça os desesperados. O discípulo de Jesus é aquele ou aquela que discerne tudo
espiritualmente para o bem do outro, do próximo. Ou seja, nós discernimos a
realidade a partir da dor. O Deus a quem servimos olha, por exemplo, para Oscar
e Valéria, mortos na margem do rio, e chora (FOTO). Esse Deus não foge da
realidade, da gente e do sofrimento.
Assim sendo, só há uma espiritualidade cristã: a da justiça.
Deus se revela no meio da dor, pronuncia sua palavra e traz esperança. Por
isso, falar de espiritualidade da justiça é falar de Jesus de Nazaré, de tudo o
que ele assume sobre e para si. O nosso Salvador e Senhor bebe dos profetas, e
estes sonham e anunciam a justiça. Consequentemente, as Escrituras estão
grávidas da justiça de Deus e Jesus é a sua encarnação.
O produto da justiça é o shalom
de Deus. É digno de nota que tudo que é bom e belo nas Escrituras fala da
justiça. O problema é que parte da igreja de Jesus domesticou as Escrituras.
Esses irmãos e irmãs precisam, urgentemente, redescobrir os profetas e sua
mensagem da justiça de Deus. Esta redescoberta traz consigo a esperança. Isso
porque quando falamos da justiça, nós nos encontramos com o Deus da justiça.
Por fim, genuína indignação e sede de justiça devem tomar o
nosso coração. Fomos mais uma vez convidados a assumir Jesus de Nazaré e suas
convicções mais profundas. Animados pela ressurreição do corpo de Cristo, podemos
seguir adiante contra todas as formas da morte.
Certamente, cada um que esteve ali e tomou nota do que ouviu
poderia enriquecer em muito estas impressões. De uma coisa estou certo: nós
ouvimos a voz de Deus. Que ele mesmo, pelo poder do seu Espírito, nos conduza à
ação!
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