Ao que parece, estamos vivendo na
chamada “Sociedade do Cansaço”. Um dos autores que nos ajudam a entender melhor
este novo arranjo social é Byung-Chul Han, coreano radicado na Alemanha, onde ensina
Filosofia e Estudos Culturais na universidade de Berlim. Descrevendo um dos
aspectos dessa nossa sociedade, ele afirma: “O excesso de positividade se
manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica
radicalmente a estrutura e economia da atenção. Com isso se fragmenta e destrói
a atenção. Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma
técnica específica relacionada ao tempo e à atenção, que tem efeitos novamente
na estrutura da atenção. A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso
civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o
homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de
um retrocesso.”.
Se Han está certo, o excesso de
estímulos, informações e impulsos nos transforma em pessoas desatentas. Além
disso, paradoxalmente, a necessidade de desenvolvermos a técnica da multitarefa
implica retrocesso. Logo, nós podemos dizer que tanto uma coisa quanto a outra
desintegram o nosso ser e adoecem a nossa espiritualidade. Diante dessa
constatação, como reagir? Talvez o encontro de Jesus com Marta e com Maria nos
apresente ensinamentos preciosos para esse tempo de tanto cansaço em que
vivemos. Por isso, hoje, precisamos ouvir novamente as palavras do Mestre.
Lucas inicia a sua narrativa com
a seguinte expressão: “Caminhando Jesus e os seus discípulos”. Essa expressão
faz referência à viagem em curso da Galiléia à Judéia. Ou seja, Jesus e os seus
discípulos estão em direção à Jerusalém. Sem especificar em qual, Lucas diz que
Jesus entra em certo povoado. Nesse povoado, uma mulher de nome Marta o recebe.
Implicitamente, esta recepção se dá em sua casa. Lucas não informa a duração da
estadia de Jesus ali, mas afirma que Marta tem uma irmã chamada Maria. A partir
daqui se estabelece o contraste entre as duas.
Na presença de Jesus, Maria tem
uma atitude completamente diferente da atitude de Marta. Lucas diz que Maria,
sentada aos pés do Senhor, ouvia as palavras dele. Marta, por sua vez, está
envolvida em muito serviço. Se Marta é a anfitriã perfeita, Maria é o modelo
acabado do discípulo. Diante de Jesus, se Marta sente-se obrigada a agir como
uma mulher judia do século I, Maria sente-se absolutamente livre para não
fazê-lo, pelo menos neste momento. Esta, sentada aos pés do Senhor, ouve as
palavras dele.
Essa atitude de Maria incomoda
tanto a Marta que esta se dirige a Jesus. Tendo se aproximado dele, ela
pergunta: Senhor, não te importas
que minha irmã tenha me deixado sozinha com o serviço? Como se não bastasse, ela continua: Dize-lhe
que me ajude! Novamente, Marta está sendo inteiramente
coerente com a cultura dos seus dias, uma cultura na qual as mulheres fazem
exatamente o que ela está fazendo: cuidar da casa e servir aos homens.
Gentilmente, Jesus responde a
Marta, dizendo: “Marta! Marta! Você está
preocupada e inquieta com muitas coisas; todavia apenas uma é necessária. Maria
escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.” (Lc. 10:41-42). Aqui, um
detalhe é muito importante. Nos dias de Jesus, o sentar-se para ouvir é a
atitude do discípulo homem em relação ao seu mestre homem. À mulher, esta atitude
não é permitida. Assim, ao permitir e elogiar a atitude de Maria, Jesus está
admitindo e reconhecendo o discipulado tanto de homens quanto de mulheres.
Em síntese, esse encontro com
Marta e com Maria acentua especialmente o discipulado e a escuta da palavra de
Jesus. Vale ressaltar que este não desqualifica o serviço de Marta, porém,
insiste que suas preocupações e angústias podem estar fora de lugar. Isso
porque, por um lado, um serviço, como o de Marta, que não presta a suficiente
atenção à palavra não tem nenhuma garantia de continuidade efetiva. Por outro
lado, estar à escuta da palavra, como Maria, é um bem duradouro que nunca será
retirado do verdadeiro discípulo de Jesus.
Portanto, fica evidente que Lucas
10:38-42 é significativo e relevante para os cristãos atuais. Em um mundo
marcado pela carência de bons e de belos referenciais, os cristãos de hoje são
chamados a reconhecer em Jesus o seu Mestre e a obedecê-lo em tudo. Em um mundo
marcado pela agitação e pelo consequente cansaço, os cristãos de hoje também
são chamados a humildemente aquietaram-se na presença de Jesus. E, por fim, em
um mundo marcado por muitas distrações, os cristãos de hoje são ainda chamados
a considerar atentamente as palavras de Jesus e a descobrir que esta é a única
coisa realmente necessária nesta vida.
Que assim seja, pela
integralidade do nosso ser e pela saúde da nossa espiritualidade!
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