Ao que me parece, faz parte da nossa
identidade, como igreja, receber pessoas feridas, vindo de outras igrejas. Eu
mesmo sou um exemplo disso. Há dez anos, quando aqui cheguei, estava ferido. O
tempo passou, fui curado e vi muitas pessoas chegando como cheguei. Algumas já
foram curadas, outras ainda estão em processo de cura. Uma coisa é certa: o
tempo desse processo é proporcional ao tamanho das feridas.
Logo, podemos nos perguntar: qual é a maior
causa dessas feridas? Penso que a maior causa dessas feridas é o que podemos
chamar de “abuso espiritual”. Mas, o que vem a ser “abuso espiritual”? “Abuso
espiritual” é o mau uso da autoridade espiritual. Quem pratica “abuso
espiritual” afirma: “Em qualquer
circunstância, a insubordinação à autoridade é motim contra Deus.”. Essa
afirmação parte do pressuposto que toda autoridade é legítima e que toda
insubordinação é ilegítima. Será que é assim mesmo? Parece que não.
C. S. Lewis, em A última batalha, sétimo livro das Crônicas de Nárnia, apresenta-nos uma clara situação de “abuso
espiritual”. Nessa apresentação, o macaco, chamado Manhoso, veste o jumento,
chamado Confuso, com uma pele de leão. Por que de leão? Porque Aslam, o Grande
Leão, era o Deus de Nárnia. Assim, se os narnianos acreditassem que Confuso era
Aslam, todos se submeteriam a Manhoso, que dava suas ordens por meio do jumento.
Ou seja, o macaco seria o porta-voz de Aslam, porém, de um falso Aslam. O plano
de Manhoso dá certo e muitos narnianos sofrem “abuso espiritual”, especialmente
um grupo de anões.
A história segue e Tirian, rei de Nárnia,
encontra-se com o grupo de anões, conta-lhes a verdade sobre o falso Aslam e “liberta-os”
do “abuso espiritual”. Todavia, os anões estavam tão feridos que dizem: “Vamos viver por nossa própria conta. Chega
de Aslam, chega de reis e de conversas fiadas sobre outros mundos. Vivam os
anões!”. Os anões, agora “libertos” e feridos, não querem mais saber de Aslam,
Deus de Nárnia, e de Tirian, autoridade legítima sobre Nárnia. Instaura-se
neles um verdadeiro estado de rebelião.
A história continua e o próprio Aslam também encontra-se
com o mesmo grupo de anões rebeldes, revela-se a eles e manifesta-lhes sua graça.
Contudo, os anões continuavam tão feridos que rejeitam o Grande Leão. Assim
sendo, Aslam afirma: “Viram só? (...)
Eles não nos deixarão ajudá-los. Preferem a astúcia à crença. Embora a prisão
deles esteja unicamente em suas próprias mentes, eles continuam lá. E têm tanto
medo de serem ludibriados de novo que não conseguem livrar-se.”. Os anões,
que rebelaram-se contra Tirian, agora rebelam-se contra Aslam. O medo de serem
novamente enganados aprisiona-os, impedindo-os de confiar e submeter-se tanto a
Tirian quanto a Aslam.
Qualquer semelhança entre essa história dos
anões que sofreram “abuso espiritual” e a história daqueles que, hoje, sofrem
“abuso espiritual” não é mera coincidência. As semelhanças são reais. Isso quer
dizer que, hoje, muitas pessoas enganadas estão conhecendo a verdade.
Entretanto, muitas dessas pessoas permanecem feridas, rebeldes, medrosas e
aprisionadas. A grande pergunta é: Como sair desse estado?
Penso que, primeiro, é necessário perdoar os
abusadores. Assim como fomos perdoados por Deus, devemos perdoar aqueles que
fizeram-nos mal. Embora não seja fácil, perdoar é necessário. É necessário para
o bem da nossa própria alma, pois a liberta, de fato, dos seus abusadores. Segundo,
é necessário ter consciência de que o passado passou. Como o próprio nome diz,
o passado é passado. O que causou-nos tanta dor ficou para trás. Agora,
precisamos de uma nova disposição diante do futuro que está à nossa frente. Terceiro,
é necessário exercitar a fé, novamente. É preciso, gradativamente, voltar a
confiar tanto em Deus quanto nas pessoas. Deus foi, é e sempre será confiável.
Além disso, existem muitas pessoas que também são confiáveis. Talvez esse
processo de retomar a confiança seja o mais difícil. No entanto, com a graça de
Deus, vencemos o medo e passamos a crer novamente. Quarto, é necessário
submeter-se a Deus e às autoridades espirituais legítimas por ele
estabelecidas. Aqui encontramos a possibilidade de reexercitar a nossa fé. Mas,
agora, de maneira madura, com a consciência cativa à Palavra de Deus. Sabe o
que isso significa? Significa que podemos
confiar nas autoridades espirituais sempre que sua orientação não for contrária
à revelação de Deus, nas Escrituras Sagradas. É simples assim! Precisamos
checar tudo com a Bíblia. Quinto, é necessário experimentar a cura e a
libertação de Deus. Essa é a última etapa do processo. Depois dela não haverá
mais feridas nem prisões. É exatamente isso que Deus deseja para os seus
filhos. Deseja que sejam saudáveis e livres.
Que assim seja em nós e entre nós!
Luiz Felipe Xavier.Esse texto foi publicado no informativo da Igreja Batista da Redenção.
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