No capítulo 4 do Evangelho de Marcos, encontramos
diversas parábolas sobre o Reino de Deus. Parábola
é uma estória contada com elementos da vida cotidiana para ilustrar um
princípio espiritual. Jesus gostava tanto de parábolas que o evangelista
declara: “Com muitas parábolas semelhantes Jesus lhes anunciava a palavra,
tanto quanto podiam receber. Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola.
Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo.” (Mc.
4:33-34). Aqui nos deparamos com dois problemas. Primeiro: não temos acesso a
todas as explicações de Jesus. Se tivéssemos, a interpretação das parábolas
seria muito mais fácil. Segundo: a vida cotidiana de Jesus não é a nossa vida
cotidiana. As distâncias que nos separam são enormes.
Diante desses dois problemas, o que
podemos fazer? Nós podemos recordar as regras clássicas de interpretação das
parábolas. Devemos ler as parábolas a
partir dos seus contextos. Se o contexto histórico é a Palestina do século
I, o contexto literário é a temática do Reino de Deus. Devemos também ler as parábolas de longe, olhando para o todo. Ou
seja, não podemos ler as parábolas de perto, olhando para os detalhes. Devemos ainda ler as parábolas à procura do
seu princípio espiritual. Na grande maioria delas, há um só princípio
espiritual a ser encontrado.
Com já dito, as parábolas do capítulo
4 de Marcos tratam do Reino de Deus. O Reino
de Deus é o governo de Deus. Deus governa de direito sobre toda a sua
criação e de fato sobre tudo e sobre todos aqueles que estão sob a sua vontade.
Logo, o Reino de Deus já está presente entre nós, mas ainda não em sua
plenitude. Em quase tudo, os valores do Reino de Deus são opostos aos valores
dos reinos deste mundo. É por isso que aqueles que entram no Reino de Deus pela
porta do arrependimento e da fé são transformados, e recebem a missão de
transformar o seu entorno. Assim, mesmo que não percebamos, o Reino de Deus
está crescendo.
O
Reino de Deus está crescendo em nós e entre nós. Em Marcos 4:26-32, encontramos dois
aspectos desse crescimento. O primeiro
aspecto enfatiza que o crescimento do Reino de Deus é automático (26-29). Este
é o princípio espiritual da “Parábola da Semente”. Nessa parábola, Jesus
compara o Reino de Deus ao processo agrícola. Como se dá esse processo? Ele inicia-se
com a semeadura. Um homem “lança a semente sobre a terra”. O processo continua
com o crescimento. Este, por sua vez, pressupõe tempo. As expressões “noite e
dia” e “dormindo ou acordado” indicam exatamente isso. O crescimento também é
desconhecido pelo homem. A semente germina e cresce “embora ele não saiba como”.
O crescimento ainda é automático. Jesus diz: “A terra por si própria produz o
grão: primeiro o talo, depois a espiga e, então, o grão cheio na espiga.”. No
original, a expressão “por si própria” é autômatos,
significando “o que move por impulso próprio” ou “o que age sem a instigação ou
intervenção de outro”; “automático”. Aqui está o ponto: assim como o
crescimento da semente é automático, o crescimento do Reino de Deus é
automático. Por fim o processo encerra-se com a colheita. “Logo que o grão fica
maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou a colheita.”.
O Reino de Deus cresce automaticamente
em nós. Isso porque o Espírito Santo age oculta e poderosamente em nós. Quando
isso acontece, nós recebemos o poder que nos capacita à obediência. Aos poucos,
a nossa rebeldia dá lugar à submissão e experimentamos a vontade de Deus sendo
feita em nós. O Reino de Deus também cresce automaticamente entre nós. Isso
porque Deus age oculta e poderosamente entre nós. Muitas vezes nós nos
perguntamos: por que as coisas são como são se o Reino de Deus já está presente
entre nós? Todavia, a nossa pergunta deveria ser: como seriam as coisas se o Reino
de Deus ainda não estivesse presente entre nós? Essa reflexão nos desafia à fé,
ao amor e à esperança. Fé que se fundamente na certeza de que Deus está agindo;
amor que nos move a agir como Deus está agindo; esperança que nos encoraja a
seguir adiante na convicção de que Deus concluirá suas ações. Um dia o seu
Reino será pleno.
O
segundo aspecto enfatiza que o crescimento do Reino de Deus é grandioso (30-32). Este é o princípio espiritual da
“Parábola do Grão de Mostarda”. Nessa parábola, Jesus compara o Reino de Deus ao
grão de mostarda, que é a menor das sementes e torna-se a maior das hortaliças.
Ele estabelece dois contrastes. O primeiro é entre menor e maior. O grão de
mostarda é a “menor semente”. Contudo, torna-se a “maior de todas as hortaliças”.
O segundo contraste é entre o pequeno e o grande. O grão de mostarda começa
pequeno, cresce e torna-se grande. Tanto no mundo judeu quanto no grego-romano,
o grão de mostarda é proverbialmente conhecido pelo seu pequeno tamanho. Entretanto,
Jesus afirma que ele fica “com ramos tão grandes que as aves do céu podem
abrigar-se à sua sombra”.
O Reino de Deus cresce grandiosamente
em nós. Isso porque o Espírito Santo, que age em nós, promove o nosso crescimento
espiritual. Crescemos espiritualmente à medida que somos conformados à imagem
de Cristo. Esse ser conformado à imagem de Cristo é um processo gradual e
progressivo. Tal processo começa com as pequenas transformações e chega às
grandes transformações. O Reino de Deus também cresce grandiosamente entre nós.
Isso porque Deus, que age entre nós, promove transformação integral. À medida que cresce, o Reino de Deus
transforma tudo. Transforma doença em saúde, opressão em libertação, poder em
serviço, ignorância em conhecimento, ganância em generosidade, acumulação em
partilha, injustiça em justiça, violência em paz, tristeza em alegria, ódio em
perdão, morte em vida e muito mais.
Que Deus, por sua maravilhosa graça,
faça com que o seu Reino cresça em nós e entre nós!
Luiz Felipe Xavier.