Viajando da Galiléia à Judéia, Jesus
ensina muitas coisas. Dentre elas, ensina que só há dois modos possíveis de
vida: o viver baseado no amor ao Dinheiro (Mamom
– um deus fake) ou o viver baseado no
amor a Deus. O primeiro modo é marcado por ansiedade, por ganância e, como
veremos, por indiferença. O segundo modo é marcado por fé, por generosidade e,
como também veremos, por compaixão. A nós, resta a pergunta: Como temos vivido,
amando a Deus ou ao Dinheiro? Os discípulos de Jesus são aqueles que vivem
baseados no amor a Deus, transformando indiferença em compaixão. Para tal, eles
precisam desenvolver três percepções.
A
percepção do
necessitado
A
parábola começa com a descrição dos seus personagens principais: o rico e
Lázaro. O rico se veste de púrpura e de linho fino, e vive no luxo todos os
dias. Ele é coberto por vestes caríssimas e tem abundância de comida diariamente.
O mendigo Lázaro é coberto de chagas e anseia comer o cai da mesa do rico. Ele
é coberto por feridas e tem escassez de comida. Três detalhes chamam a atenção
na descrição dos personagens. Primeiro, há um portão que separa o rico e
Lázaro. Sobre esse texto, José Antonio Pagola comenta: “O olhar penetrante de
Jesus está desmascarando a realidade. As classes mais poderosas e os estratos
mais miseráveis parecem pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por
uma barreira invisível: essa porta que o rico nunca atravessa para aproximar-se
de Lázaro.”. Segundo, Lázaro é nomeado, mas o rico não. Em todas as parábolas
de Jesus, o único personagem nomeado é Lázaro. O nome “Lázaro” significa
“aquele a quem Deus ajuda”. Na parábola, vemos que o significado do nome corresponde
à situação vivida pelo personagem. Terceiro, os cães se importam com Lázaro,
porém, o rico não. Levando em consideração o contexto da época, Kenneth Bailey
sugere que esses cães são os cães de guarda da casa do rico. Eles se alimentam
do que cai da mesa do seu dono, Lázaro não. Mais do que isso, eles se importam
com Lázaro, seu dono não. Aqui, o que mais nos interessa é que Jesus denuncia a
indiferença do rico em relação a Lázaro, o necessitado que diariamente é colocado
à sua porta e ele não vê. Logo, como discípulos de
Jesus, somos desafiados a perceber o necessitado. Uma vez que vivemos numa
espécie de “bolha”, os pobres podem ser para nós invisíveis.
A
percepção da morte
A
parábola segue e chega o dia em que tanto o rico quanto Lázaro morrem. O
mendigo Lázaro morre e é levado pelos anjos para junto de Abraão. O “seio de
Abraão” é interpretado como o lugar pós-morte dos justos. Ou seja, estar junto
de Abraão é estar em um lugar de bem-aventurança a espera da vindicação eterna.
O texto não explica porque Lázaro vai para o “seio de Abraão”; ao que parece, é
porque ele confia em Deus e na sua ajuda (uma possível referência ao seu nome).
O rico também morre, é sepultado e acha-se no Hades. O Hades é interpretado
como o lugar pós-morte dos injustos. Isto é, estar no Hades é estar em um lugar
de tormento a espera do juízo final. O texto também não explica porque o rico
vai para o Hades; ao que parece, é porque ele confia em si mesmo e nas suas
riquezas, e não se importa com o necessitado (uma possível referência à sua ostentação
e à sua indiferença). Aqui, o que mais nos interessa é que, depois da morte
inevitável, a barreira invisível que separava o rico e Lázaro torna-se um
abismo intransponível e definitivo. Assim, como
discípulos de Jesus, somos desafiados perceber a morte. Não faz sentido vivermos
acumulando e ostentando porque a morte é uma realidade inevitável. Além disso,
a vida de acumulação e ostentação é autocentrada (centrada em nós mesmos), ao
passo que vida que Jesus nos propõe é altercentrada (centrada no próximo). Quem
são os necessitados que estão próximos a nós e como podemos ajudá-los
efetivamente?
A
percepção da Palavra
A
parábola se encerra com um diálogo entre o rico e Abraão. Esse diálogo começa com o rico usando a expressão que é
própria dos mendigos: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim (...)’ – nos
lembramos da expressão de Bartimeu, o cego mendigo. O rico deseja que Abraão mande
Lázaro aliviar parte do seu sofrimento. Em resposta ao rico, Abraão anuncia uma
inversão: Durante a vida, o rico recebeu coisas boas e Lázaro recebeu coisas
más; agora, Lázaro está sendo consolado e o rico está em sofrimento. Pior do
que isso, como já dito, há entre eles um abismo intransponível e definitivo. Em
resposta a Abraão, o rico expressa um novo desejo: Ele quer que Abraão mande
Lázaro avisar seus irmãos sobre a sua situação para que eles se arrependam e
tenham um destino diferente do seu. Notem: Mesmo em sofrimento, a fala do rico
tem um tom arrogante e autocentrado. Em resposta ao rico, Abraão é incisivo: ‘Eles
têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. Tanto Moisés quanto os profetas são
claríssimos em relação à compaixão que o povo de Deus deve ter com os
necessitados. Por exemplo: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham
até as extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua
colheita. Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem
caído. Deixem para o necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o SENHOR, o Deus
de vocês. (...)” (Lv. 19:9-10). ““O jejum que desejo não é este: soltar as
correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os
oprimidos e romper todo jugo. Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar
o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao
próximo? (...)”.” (Is. 58:6-7). Em resposta a Abraão, o rico insiste que se
alguém ressuscitasse dos mortos e fosse até eles, eles se arrependeriam. Por
fim, em resposta ao rico, Abraão reforça: ‘Se não ouvem a Moisés e aos
Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os
mortos’. Aqui, o que mais nos interessa é que ouvir a Palavra é sinônimo de
obedecer a Palavra. Assim sendo, como discípulos de Jesus, somos desafiados a
perceber a Palavra. Essa Palavra que é claríssima: Sejam compassivos com os
necessitados. Todavia, a nossa tendência é levantar objeções que justifiquem a nossa
desobediência. Em assim fazendo, resta-nos o arrependimento, o discernimento, a
sabedoria e a ação.
Que Deus, por sua graça, nos encha de
compaixão para com os necessitados!