Deuteronômio 32 apresenta-nos um cântico de
Moisés em forma de rib. Rib é um termo hebraico cujo significado
é “litígio” ou “ação judicial”. Segundo J. A. Thompson, um rib é dividido em cinco partes: introdução – apelo ao acusado para
dar ouvidos ao que está sendo anunciado (v. 1-4); interrogatório – perguntas do
queixoso (ou do seu representante) nas quais está implícita a acusação (v. 5-6);
retrospecto – declaração dos benefícios passados concedidos ao vassalo rebelde
por seu senhor e da ingratidão daquele para com este (v. 7-14); acusação – referência
à futilidade de outras alianças em face da rebelião (v. 15-18); sentença – declaração
de culpa e aviso do juízo ou advertência ao arrependimento (v. 19-25). Aqui
deparamo-nos com um problema: a estrutura do rib não cobre todo o capítulo. Os versos 26 a 43 ficam de fora. Logo,
a solução do autor é a ampliação do rib,
pela introdução do tema da esperança: a certeza do livramento de Israel (v. 26-38);
a palavra do próprio Deus prometendo livramento (v. 39-42); o apelo a Israel
para adorar a Deus (v. 32:43). Assim, o problema está resolvido.
A
primeira parte do cântico de Moisés desafia-nos a considerar a Palavra de Deus. O
verso 1 diz: “Escutem ó céus, e eu
falarei; ouça ó terra, as palavras da
minha boca.”. Antes de entrar na terra prometida, o povo de Israel deve ouvir a
voz de Deus, as palavras da sua boca. A palavra traduzida por “ouça” é shama. Shama é “ouvir”, “escutar”, “obedecer”. Essa palavra é tão
importante que se encontra em Deuteronômio 6:4, verso mais conhecido e citado
pelo povo de Israel: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único
Senhor.”. Para demonstrar a importância de ouvir este ensino, Moisés lança mão
de uma metáfora: a da chuva. No verso 2, ele afirma: “Goteje a minha doutrina
como a chuva, destile a minha palavra
como o orvalho, como chuvisco sobre a relva e como gotas de água sobre a erva.”. Quatro
palavras diferentes são utilizadas para descrever a ação da voz de Deus. Em
sendo escutada, ouvida, essa voz produz vida. Assim sendo, todos nós somos
desafiados a considerar as palavras de Deus.
Consideremos
a Palavra objetiva de Deus, sua voz na Bíblia. A Bíblia é a principal
fonte da espiritualidade. A espiritualidade considera
a pessoa de Deus e sua relação com a criação, a partir da revelação. Deus é
Deus. Nós somos homens. Deus é Criador, Transcendente e Eterno. Nós somos
criaturas, imanentes e históricos (espaço-temporais). Se Deus é o que é e nós somos o que somos, o
relacionamento com Deus só é possível porque ele se revelou a nós. Deus se
revelou na criação, na história e, principalmente, em Jesus. Jesus é o clímax da
revelação de Deus. Tudo que Deus queria dizer de si mesmo, ele disse em Jesus. Ou
seja, Jesus é a Palavra de Deus que se fez carne e habitou entre nós. O que
conhecemos sobre Jesus está na Bíblia, o registro escrito da revelação.
A Bíblia é inspirada.
Inspiração é uma capacitação sobrenatural do Espírito
Santo sobre pessoas divinamente escolhidas, de modo que seus registros da
revelação tornam-se fidedignos e autoritativos. É a inspiração que garante a
fidedignidade e a autoridade da Bíblia. A Bíblia é a principal fonte da espiritualidade
e Jesus é a chave hermenêutica da Bíblia. Isto é, sem a Bíblia e sem Jesus não
há espiritualidade. Para discernir a revelação de Deus na Bíblia, precisamos
ser iluminados pelo Espírito Santo. Iluminação é uma capacitação sobrenatural
do Espírito Santo sobre pessoas divinamente escolhidas, garantindo-lhes o
discernimento da revelação registrada. É a iluminação que possibilita o
discernimento da revelação de Deus. O Espírito Santo que inspirou o registro da
revelação é o mesmo que ilumina o discernimento desse registro. Discernir a
revelação é conhecer a Jesus. Conhecer a Jesus é reconhecer o amor de Deus. Reconhecer
o amor de Deus implica em amar a Deus e amar ao próximo. O amor a Deus é
expresso em obediência. O amor ao próximo é expresso em serviço.
Consideremos
também a palavra subjetiva de Deus, sua voz no nosso coração. É
importante destacar que a palavra subjetiva sempre deve estar sujeita à Palavra
objetiva. Dallas Willard, recorrendo aos grandes mestres da espiritualidade
cristã, ensina-nos algo muito importante: para que tenhamos certeza quanto à
voz de Deus no nosso coração são necessárias as Escrituras e as circunstâncias.
Ou seja, tudo que intuirmos como impressões espirituais precisa ser aferido
pelas Escrituras. Isso porque Deus fará com que as Escrituras corroborem com a
direção que ele está nos dando. Essas impressões espirituais também precisam
ser avaliadas levando em consideração as circunstâncias que nos cercam. Isso
porque Deus fará com que as circunstâncias confluam com a direção que ele está
nos dando. Por fim, um detalhe precisa ser observado: só ouvimos a voz de Deus
quando nos aquietamos e nos silenciamos. Talvez seja por isso que Eugene
Peterson declare: “O silêncio é essencial à oração”. Orar é conversar com Deus.
Nesta conversa, precisamos falar menos e ouvir mais.
Que a Palavra de Deus
seja como uma chuva na terra muitas vezes seca do nosso coração! Que ela
produza vida abundante em cada um de nós!